No mito de Prometeu, o semideus grego rouba o fogo de Zeus para dá-lo à humanidade. Sua punição foi exemplar: preso ao Monte Cáucaso, todos os dias uma águia devorava o seu fígado, que voltava a crescer na manhã seguinte. A semelhança entre a lenda e a vida de J. Robert Oppenheimer vai além da metáfora. O cientista deu aos EUA a incomparável força do poder nuclear, mas sofreu as consequências de sua genialidade.

É o que revela a biografia Oppenheimer – O Triunfo e a Tragédia do Prometeu Americano, fruto de 25 anos de pesquisa – só de arquivos do FBI foram mais de dez mil páginas ­- de Kai Bird e Martin J. Sherwin.

Da infância numa família aristocrata de origem judaica à morte por câncer, a obra é uma radiografia da geopolítica do século 20, da Segunda Guerra Mundial à Guerra Fria. Oppenheimer foi:

* físico;
* intelectual;
* poeta;
* ativista;
* diretor de Princeton (onde foi chefe de Albert Einstein);
* pai da bomba atômica.

A descrição de suas funções dão a dimensão de sua ascensão profissional — mas omitem as dores de sua queda.

A corrida atômica começou em 1939, quando cientistas emigrados da Europa, Albert Einstein e o dinamarquês Niels Bohrs entre eles, alertaram o mundo de que a Alemanha havia descoberto a fissão nuclear e planejava seu uso militar.

Oppenheimer foi convidado para liderar o Projeto Manhattan e desenvolver a tecnologia antes dos inimigos em seu laboratório em Los Alamos, no estado do Novo México.

Em 16 de julho de 1945, Oppie, como era chamado, realizou a “Experiência Trinity”, o primeiro teste atômico.

A Alemanha já havia se rendido três meses antes, mas o conflito com o Japão estava em seu auge. Os aliados já haviam destruído as maiores cidades japonesas, mas o imperador Hirohito recusava-se a se render.

Oppenheimer, então, apoiou o uso da bomba em Hiroshima, “para reduzir a duração da guerra”, mesmo sabendo que milhares de civis morreriam. No discurso após o triunfo, mencionou que “lamentava não tê-la desenvolvido a tempo de usá-la contra os alemães”, para delírio da multidão.

Três dias depois, em 9 de agosto de 1945, a Força Aérea americana despejava outro artefato sobre Nagasaki. Se a reação anterior era de sucesso, a destruição da segunda cidade trouxe um sentimento de horror.

Oppenheimer ficou “com os nervos em frangalhos”, segundo relatório do FBI. As críticas do herói nacional à sua própria criação incomodaram Washington.

Oppenheimer defendia a fundação da Autoridade de Desenvolvimento Atômico, entidade mundial que controlaria minas de urânio, usinas e laboratórios. “Construímos uma arma terrível, que alterou de maneira abrupta e profunda a natureza do mundo. Um artefato diabólico por todos os padrões existentes”, declarou, em um evento coberto pela popular revista Life.

Ao tentar usar seu prestígio para influenciar o presidente Henry Truman, sua atitude se voltou contra ele: o governante nomeou um economista de Wall Street para elaborar a proposta restritiva que seria apresentada à União Soviética.

“Estamos perdidos”, disse Oppenheimer. Ele estava certo: os russos rejeitaram o plano e a ameaça nuclear passou a ser uma realidade desde então.

O retorno dos republicanos à Casa Branca, em 1953, marcou o ápice do macarthismo, a caça às bruxas liderada pelo senador Joseph McCarthy contra a “ameaça comunista”. Os poderosos J. Edgar Hoover, diretor do FBI, e Lewis Strauss, presidente da Comissão de Energia Atômica, aproveitaram a oportunidade para perseguir Oppenheimer, que havia tido uma breve ligação com o partido comunista nos anos 1930.

Foi o suficiente para ele ser investigado por “associação com comunistas” e “risco à segurança nacional”, acusação que o levou a perder a licença para trabalhar em instituições federais.

A humilhação lhe impôs o autoexílio com a família em St. John, nas Ilhas Virgens, como se fosse um pária social.

No início dos anos 1960, com a eleição do democrata John F. Kennedy, Oppenheimer pode recuperar seu merecido prestígio.

O presidente lhe concedeu o cobiçado prêmio Ennio Fermi e um cheque de US$ 50 mil em reconhecimento pela excelência de serviços prestados à nação.

Em 1965, o cientista, famoso pelo cachimbo sempre pendurado no canto da boca, foi diagnosticado com câncer. Morreu dois anos depois.

O funeral, na Universidade de Princeton, reuniu laureados com o Nobel, políticos, generais, cientistas e poetas. Todos lamentavam a perda do Prometeu americano, que roubou o fogo dos céus e o entregou à humanidade em forma de poder nuclear.

Saga nuclear estreia nas telas

Cillian Murphy no papel do cientista: semelhança física (Crédito:Divulgação)

A vida de J. Robert Oppenheimer já rendeu inúmeros artigos, peças, livros e até uma ópera – Dr. Atomic, de John Adams.

Em 20 de julho chega ao público a versão para as telas. Trata-se do filme homônimo dirigido por Christopher Nolan, inspirado na biografia de Kai Bird e Martin J. Sherwin. É uma das produções mais aguardadas do ano.

O elenco estelar conta com Cillian Murphy como protagonista – a semelhança entre o ator e o cientista na vida real é impressionante -, Emily Blunt no papel de Kitty, sua mulher, e Robert Downey Jr. como Lewis Strauss, seu adversário na Comissão de Energia Atômica dos EUA.

Matt Damon, Florence Plugh e Rami Malek completam o cast da produção que custou US$ 100 milhões.

É a segunda vez que Nolan se aventura por uma história real.

Em Dunkirk (2017), ele reconstituiu um lendário episódio da Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha cercou as tropas aliadas na praia francesa.

De forma heróica, os britânicos conseguiram voltar para casa em segurança. Em Oppenheimer, Nolan aborda a trajetória de um personagem solitário que entra para a história. Para alguns como herói, para outros como vilão.