17/02/2023 - 9:30
Quando você quer realmente inteirar-se sobre um país, as duas coisas que você tem que conhecer são sua gente e sua comida”, diz a chef venezuelana Yatzuri Arias, que vive há quase cinco anos no Brasil. Na última década, a gastronomia se fortaleceu como importante ferramenta de transformação social, não só para nativos, mas para refugiados e imigrantes que chegam ao País em busca de um recomeço.
Para atravessar a jornada, muitas dessas pessoas contam com o apoio de ONGs que oferecem de cursos de cozinha a empreendedorismo, bem como conectam chefs estrangeiros a potenciais clientes.

“A maioria dos refugiados acaba em trabalhos em que não conseguem aproveitar sua bagagem cultural. E as pessoas querem ser valorizadas pelo que têm a ofertar, sem criar um vínculo paternalista”, diz Jonathan Berezovsky, fundador da Migraflix. A ONG atua em São Paulo e no Rio de Janeiro, e tem a missão de promover as culturas do mundo e apoiar o microempreendedor imigrante.
“É uma oportunidade que nos ajuda, no sentido da imagem, da precificação e da logística do negócio”, complementa Arias, que, além de estar ligada à startup social, é confeiteira e faz bolos para entrega, complementando a renda familiar.
Um dos principais produtos da Migraflix é o catering, em que cada imigrante colabora com pratos de suas cozinhas, de forma a “cultivar os paladares brasileiros”, nas palavras do chef peruano Javier Ballon Suárez. Desde 2017 no Brasil, já passou por casas típicas aqui e no Peru. Somado aos eventos, trabalha com encomendas e está em uma feira na Praça Elis Regina, na capital paulista.
O Instituto Adus é outra organização sem fins lucrativos que busca a integração de refugiados no Brasil há mais de uma década, tendo a gastronomia como uma das práticas culturais de conexão. “Buscamos a valorização desse imigrante de forma ampliada, não só de suas culturas e raízes, mas de seus conhecimentos”, pontua Marcelo Haydu, diretor-presidente e um dos fundadores do Adus.
A produção de conhecimento ganha força no mais recente projeto do instituto: o livro digital e gratuito “Sabores e Lembranças”, com receitas de quatro mulheres imigrantes, amadrinhadas por chefs de cozinha renomadas. Evodie Kanyeba Mwepu é uma delas, aparecendo ao lado de Helena Rizzo, jurada do MasterChef.
Foi a parceria com ambas as organizações que fez com que a chef de cozinha congolesa deixasse no passado o medo de empreender. “Cada um tem uma história, mas todos temos um ponto em comum, que é começar de novo”, lembra. Hoje, ela trabalha com encomendas, eventos e workshops, ofertando um pedaço do país africano em preparos como a banana cozida com peixe ao molho de berinjela.
“Quando você apresenta a oportunidade às pessoas, elas começam a ter autoestima. Aí você entende o quanto o conhecimento e o autoconhecimento são importantes”, diz Edson Leite, um dos criadores da Gastronomia Periférica, projeto que desde 2012 atende moradores de bairros periféricos do País, oferecendo cursos gratuitos de empreendedorismo e cozinha, com foco no não desperdício.
“Demonstrar minha comida e cultura me faz feliz, porque transmite todo o meu país em si. Um prato é um choque cultural”, diz Suárez, que, além do ceviche, traz no prato conhecido como “causa” representações de sua terra natal. A entrada (foto) leva base de purê de batata e recheios como o famoso peixe marinado no limão. “Quando a pessoa começa a degustar os sabores, sua cabeça se abre para novas culturas”, afirma Berezovsky.
A chef venezuelana acredita que a comida é uma porta para um vínculo importante entre as pessoas e os países. Por mais que os ingredientes das nações vizinhas sejam similares, as formas de preparo e os temperos se diferem. Além das arepas (massa de milho recheada da foto), ela cita o pabellón criollo. Muito parecido com o virado à paulista, leva arroz, feijão preto, carne desfiada e banana frita.

“A gastronomia abre um espaço de diálogo afetivo, quebra preconceitos e estereótipos, e aproxima as pessoas”, acrescenta Haydu. Inclusive os imigrantes às suas origens. “Quando cozinho, me sinto perto da minha família, porque eram pratos que eu comia com a minha mãe e meus irmãos”, recorda a congolesa, que vive há oito anos em terras brasileiras.