22/07/2022 - 9:30
Uma onda de extremo calor atravessa a Europa, causando incêndios e milhares de hectares de florestas queimadas, além da morte de centenas de pessoas, e ainda provocando medidas inusitadas como a interdição de um aeroporto em Londres porque a pista começou a ferver. Essas temperaturas acima de 40 graus em países que jamais registraram tais marcas estão aí para lembrar: o mundo derrete. Ou caminha para um “suicídio coletivo”, nas palavras de António Guterres, secretário-geral da ONU, em conferência climática ocorrida em Berlim. Foi um contraponto à flexibilização do uso de combustíveis fósseis poluentes, que a Comissão Europeia (braço executivo da União Europeia) pretende implantar neste período emergencial de guerra. As chamas reavivaram debates ambientais, que andaram à sombra do conflito na Ucrânia mas estarão em pauta na COP27, a conferência climática da ONU marcada para novembro, no Egito.
Recordes de temperatura são batidos em várias regiões da Europa. O Reino Unido acionou um “alerta vermelho” pela primeira vez em sua história, válido para as regiões mais afetadas. Ainda antes da marca histórica de 40,2° registrada pelo órgão nacional de meteorologia no aeroporto de Heathrow, na terça-feira, 19, já havia recomendações aos britânicos para que não saíssem de casa e não levassem crianças à escola. Mesmo porque serviços de metrô e trem foram interrompidos, principalmente em linhas mais longas para o norte do país, onde trilhos correm risco de se envergarem, por causa das altas temperaturas. O aeroporto interditado foi o de Luton, em Londres, porque partes da pista derreteram.
A noroeste da Espanha, a cidade de Orense bateu 43,2°, na segunda-feira, 18, enquanto Zamora chegava aos 41,1°. Ainda há a questão das reservas hídricas – o nível delas já caiu a 43,2%, o que obrigou o governo espanhol a providenciar um plano para garantir água à população. Em Portugal, Lousã alcançou nada menos que 46,3° e em Lisboa foram registrados 41,4°. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera estendeu um alerta meteorológico vermelho – ou “estado de alarme”— para oito dos 18 distritos do país. Mais de 1.600 bombeiros e aviões bombardeiros de água foram mobilizados por conta de ao menos dez incêndios rurais, com milhares de hectares queimados e populações retiradas para abrigos. A França passa por situação parecida. Ao norte, em Brest e Nantes, como também em Biarritz, na costa atlântica, recordes vão caindo na passagem dos 42°. Na Itália, ainda era junho quando Roma já registrava 40,3°. Não são nada comuns essas temperaturas.
Diante deste quadro, na semana dos piores cenários de matas incendiadas, a Comissão Europeia voltou ao tema da crise climática, com uma proposta de redução mais drástica das emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa: em vez de 40%, meta de redução de 55% de CO2 até 2030, em relação aos níveis de 1990. E mais a descarbonização total, ou neutralidade climática, em 2050. Não será fácil cumprir esses mandamentos, que exigirão mudanças de produção e consumo dos mais variados setores. Há urgência e também cenários bem difíceis de países que ainda tratam de se recuperar economicamente da pandemia.
“A Europa foi pega de calças curtas, com a pandemia e a guerra, que levaram governos a situações dificílimas”, lembra o físico e ambientalista Ricardo Galvão, diretor exonerado do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que dentre outras atribuições monitora o desmatamento da Amazônia. Segundo ele, ao menos há documentos da própria União Europeia apontando para uma direção “mais verde e sustentável” e preparando caminhos que “traduzam palavras em ações concretas”, com respeito aos tópicos descritos no Pacto de Glasgow, assinado no fim de 2021. Nele, dezenas de países se comprometem a reavaliar e fortalecer as medidas para a redução dos gases poluentes até 2030.

Pelo Acordo de Paris, do fim de 2015, as nações deviam limitar o aumento da temperatura global em 1,5° acima do nível pré-industrial (o parâmetro usado para os compromissos ambientais), o que só será possível com cortes drásticos nas emissões de gases do efeito estufa. Caso contrário, antes de 2050 já se terá passado dos 2,0° (o período 2015-2021 foi dos anos mais quentes de que se tem registro e 2022 deve entrar nessa lista).
“Metade da humanidade está na zona de perigo e continuamos com nosso vício em combustíveis fósseis. Temos uma escolha: ação coletiva ou suicídio coletivo” António Guterres, secretário-geral da ONU
Poupando energia
As ondas de calor extremo na Europa colocam pressão sobre os políticos. Em 2002, apenas 5% dos europeus afirmavam que o meio ambiente devia ser prioridade de governo, mas os partidos verdes abrem cada vez mais espaço. Entre as eleições de 2004 e as de 2019, houve aumento de 74% no número de cadeiras ocupadas pelos “verdes” no Parlamento Europeu. Ganharam peso a ponto de fazer diferença, por exemplo, na coligação da esquerda francesa que apoiou a reeleição do presidente Emmanuel Macron.

Governos passaram a agir com mais determinação. Em alguns países já foi estabelecido, por exemplo, um teto para uso de ar condicionado em repartições públicas, que não pode refrigerar abaixo de 24°. A ideia é estocar energia, diante da possibilidade do corte total do gás russo no fim do ano, quando será inverno. Mas a Comissão Europeia se viu obrigada a defender uma “flexibilização” por período indeterminado do uso de combustíveis fósseis e poluentes como o carvão. Isso, apesar de ambientalistas alertarem para o risco de quebra de um dos compromissos mais importantes para a própria União Europeia, que é de alcançar a neutralidade climática. Outro ponto em debate é o repasse de energia entre países, para equilibrar o consumo geral no continente – o que politicamente é bem complicado: a Hungria, por exemplo, já descartou o reenvio de parte de seu gás a países vizinhos.
A guerra na Ucrânia revelou o tamanho da vulnerabilidade energética da Europa. Pelo discurso de Frans Timmermans, vice-presidente executivo da Comissão Europeia, combustíveis fósseis serão, sim, utilizados para compensar os cortes de gás da Rússia. “Mas ele também reafirmou o plano europeu de implantar os compromissos assumidos para reduzir a emissão de gases do efeito estufa”, observa Galvão. “Vamos esperar que a guerra acabe logo para os europeus retomarem a trilha do desenvolvimento sustentável.”
