Desde o final do ano passado, alguns ícones culturais do País estão fechando. Os paulistanos foram surpreendidos agora pela falência da Livraria Cultura e o fechamento das duas salas do Anexo da Sala Itaú de Cinema. Ambos na região da Paulista, transcendiam a função de vender livros e exibir filmes. Eram lugares charmosos, marcados pelo convívio de amigos e fãs da literatura e do cinema. Passear pelos três andares da Cultura, cheios de almofadões e livros para degustação, enquanto os filhos ficavam entretidos na área infantil, era um passatempo de fim de semana bem concorrido.

Nesses dois casos, e em outros espalhados pelo Brasil, há histórias de má gestão, crise financeira deflagrada pela pandemia, perda de interesse do grande público e outras justificativas. Para os clientes assíduos, isso não importa. A questão para eles é lidar com a perda de um local de acolhida, de divertimento e, como principal atração, ponto de encontro de pessoas que compartilham suas paixões.

Segundo a psicóloga Priscila Marchiolli, “a ausência desses lugares pode gerar um luto. As pessoas podem ir a outros lugares, mas locais assim nos formam como povo,, e isso não se acha em qualquer ambiente”.

Na sexta-feira, dia 10, o maior grupo editorial do País, a Companhia das Letras, levou funcionários e muitas caixas de papelão para retirar da unidade da Livraria Cultura na Paulista todos os livros de seus inúmeros selos. O medo é que os estoques da Cultura fiquem indisponíveis pela ação judicial. Em meio a essa retirada bem volumosa, a livraria continuava a atender clientes. A Cultura conseguiu uma liminar suspendendo a falência e vai recorrer da decisão. A atriz Clarice Niskier encena desde 2008 a peça A alma imoral no teatro Eva Herz, dentro da Cultura. “Toda livraria é um lugar de reflexão, de encontro, de criação. Fui lá essa semana para mostrar minha solidariedade aos trabalhadores e pedindo à Justiça que aceite o recurso e dê uma chance para que ela volte.”

João Castellano

“Assim que a gente recebeu a notícia da falência, veio correndo para tentar comprar alguma coisa. Achamos que poderia ter uma promoção.”Fernanda Lage (à esq.), ao lado da amiga Karina Puppin, fazendo compras na Cultura na sexta-feira (10)

A menos de 300 metros dali, na rua Augusta, as duas salas do Anexo da Sala Itaú de Cinema fecharam. O imóvel foi vendido a um grupo que pretende construir ali um prédio. As salas eram pequenas, restam as três maiores do outro lado da rua. Muito da força do Anexo vinha de seu café, o Fellini, com uma atmosfera agradável e um jardim no fundo. No Rio, o Estação Net, em Botafogo, cinema de filmes cult como o Itau, sofre com ameaças de despejo, mas a sala ainda resiste.

HISTÓRIA APAGADA Acima, o Café Fellini, no Anexo da Sala Itaú; abaixo, o Roxy, último a fechar na Cinelândia (Crédito:Divulgação)
André Horta

Não se pode falar o mesmo de cinemas cariocas como o Roxy e o Odeon, duas salas que atravessaram décadas e encerraram atividades. A esperança de reverter o fechamento do Roxy, em Copacabana, foi dizimada com anúncio de que ali será erguida uma sala de espetáculos, com show durante o serviço de jantar nas mesas, com produções luxuosas voltadas ao turista estrangeiro. O fechamento do Odeon é muito significativo. Em seu prédio em art déco, o cinema era a última sala que ainda funcionava na região da cidade conhecida como Cinelândia. O nome vem desde a década de 1930, com o funcionamento de muitos cinemas num pequeno trecho de quarteirões. Nos anos 1940, chegou a reunir 14 salas.

Em Gramado (RS), o Cine Embaixador está fechado, sem perspectivas de reabrir. A cidade que abriga o mais prestigiado festival do cinema brasileiro está sem uma sala sequer para os moradores. O prédio é muito fotografado pelos visitantes, mas não cumpre sua função. Propriedade privada, ele tem muitos acionistas. Segundo Rosa Volk, secretária de Turismo, a Prefeitura está tentando comprar 51% das ações e reativar a sala. “O município sente muito. Precisamos exercer a administração que a população merece.”

De volta a São Paulo, outra baixa cultural é o fechamento do Teatro Alfa. Por 25 anos, a enorme sala foi palco para as melhores companhias de dança do planeta. “O Alfa foi a casa da dança nesses últimos 25 anos”, diz a jornalista especializada e curadora Ana Francisca Ponzio. “É difícil restabelecer a relação de confiança com as companhias, que adoravam a casa por sua excelência técnica. A melhor dança do mundo esteve lá, como Pina Bausch. É uma grande perda.”

*Estagiária sob supervisão de Thales de Menezes