14/10/2022 - 9:30
Recém eleito senador, o ex-governador cearense Camilo Santana é um dos principais expoentes da ala moderada do PT. Tradicionalmente vestido em camisetas brancas e dono de um tom ameno, ele critica a polarização exacerbada na disputa presidencial e defende uma campanha mais propositiva na reta final do segundo turno. “É essencial a multiplicação de cores: amarelo, vermelho, verde. Vivemos numa democracia de visões diferentes”, pontua. Afilhado político da família Ferreira Gomes, Camilo, aliás, lamenta a timidez do apoio de Ciro ao ex-presidente e diz esperar que até 30 de outubro o pedetista adote uma postura “mais firme e presente”. Em outra ponta, ao tratar do Mensalão e dos escândalos investigados na Lava Jato, que constituem o calcanhar de Aquiles de Lula, o novo senador demonstra ter adequado o discurso à cartilha do presidenciável. Antigo defensor de uma autocrítica do PT sobre seus malfeitos, Camilo, agora, desconversa sobre um mea-culpa, argumenta que o ex-presidente aprimorou o arcabouço legal de combate à corrupção e sustenta que “todo mundo que cometer qualquer crime, seja de qual partido for, deve sofrer o rigor da lei”. “Não dá para querer colocar o PT como o partido que gerou a corrupção no país”, enfatiza.
Uma das principais apostas de Bolsonaro contra Lula é a lembrança de casos de corrupção identificados no Mensalão e na Lava Jato. Falta ao PT um mea-culpa?
Todo mundo que comete qualquer crime, seja de qual partido for, tem o direito à ampla defesa, mas deve sofrer o rigor da lei e a punição. O governo Lula foi um dos que mais fortaleceu o combate à corrupção, o que mais deu transparência. Empoderou a Polícia Federal, implementou leis importantes. Em relação a Lula, a história mostrou a perseguição. Lula ficou preso mais de um ano injustamente. Ficou claro o objetivo de prendê-lo para tirá-lo da eleição de 2018. Não é uma questão de mea-culpa. Creio que o PT precisa defender o combate à corrupção em qualquer nível. Mas não dá para querer colocar o PT como o partido que gerou a corrupção no país.
Lula deve ser mais incisivo quanto aos escândalos que envolvem Bolsonaro?
Ele tem que enfrentar o debate e mostrar o nível de corrupção no MEC, no orçamento secreto e entre os filhos do presidente. E destacar o que fez em termos de mecanismos de combate à corrupção. As operações acontecem hoje porque são frutos de leis, de políticas, de fortalecimento dos órgãos de correição ainda no governo PT. Temos de enfrentar o debate sobre corrupção de cabeça erguida e garantir que quem cometer erro será punido.
Muito se falou na campanha sobre legados, mas por que não se discutiu sobre projetos para o futuro?
É que essa polarização nas eleições está muito anticandidato. Ou seja: ‘vou votar no Lula porque não quero Bolsonaro; ou vou votar em Bolsonaro porque não quero Lula’”. Precisamos de uma campanha mais propositiva. É urgente que o Brasil retome o crescimento econômico e sua credibilidade perante o mercado e a comunidade internacional. Temos de focar em projetos estruturantes. O país perdeu a capacidade de investir. Quando o Poder Público investe, quando abre as portas para parcerias privadas, o Estado vê crescer sua economia. O teto de gastos colocado, no formato da Emenda Constitucional 95, foi um erro. É claro que é preciso ter um teto. Mas no Ceará, por exemplo, o fizemos deixando de fora Saúde, Educação e investimentos. Você não pode reduzir investimentos, porque são eles que geram empregos.
Por que assuntos caros ao eleitorado, como a Educação, também não têm sido abordados?
O Brasil tem perdido tempo em relação à Educação. Como governador, implementei o regime de ensino integral em 66% das escolas do Ceará. Nossa meta, com o governador eleito Elmano Férrer, é expandir o modelo para todas as unidades regulares de Ensino Médio até o final de 2026. Tenho defendido, junto ao presidente Lula, que a universalização de todos os níveis de ensino em tempo integral é a maior política que um país pode adotar. Isso é gerar oportunidades para o futuro da nossa juventude.
Como o sr. responde à vinculação feita por Bolsonaro do analfabetismo aos votos do Nordeste em Lula?
Digo para ele que a maior parte dos alunos que passam no ITA, em São Paulo, são cearenses, são nordestinos. Que ele tenha vergonha. Não votamos em Bolsonaro só porque ele fez um desgoverno, mas porque não respeita as pessoas, não respeita as diferenças.
Qual o papel do Nordeste na estratégia de Lula para evitar a virada de Bolsonaro?
Nossa meta é ampliar a votação nos estados em que Lula já teve boa vantagem para compensar qualquer tipo de risco em locais de perfil pró-Bolsonaro, como São Paulo e Rio. No caso do Ceará, queremos escalar de 66% para pelo menos 75%. Além disso, temos o desafio de garantir a presença do eleitor nas urnas, porque, geralmente, o segundo turno tem uma taxa de abstenção maior do que o primeiro. Outra grande missão é engajar Lula e a militância numa campanha para desmentir muitas das fake news que tentam colar nele. Essa não é uma eleição de dois candidatos desconhecidos. À época de Lula, o Brasil era a 6ª maior economia do mundo e, hoje, somos a 12ª. A fome e a carestia voltaram, o salário mínimo, sem o ganho real, não garante poder de compra ao trabalhador. Bolsonaro atuou com total descaso com o país. Fui governador e sei como foi difícil trabalhar sem relação institucional e federativa com o Planalto.
Nova aliada de Lula, Simone Tebet avalia que o PT precisa “tirar o vermelho da rua” para avançar. Concorda?
Essa sugestão é importante, até porque o presidenciável não é candidato apenas por um partido. Lula não é candidato só pelo PT, mas por um conjunto de partidos. Ele é maior do que o PT. É preciso passar para a população uma imagem de união e de agregação. Temos de alcançar pessoas que não enxergam o PT como opção e mostrar que, entre os dois candidatos, Lula é o caminho. É essencial a multiplicação de cores: amarelo, vermelho, verde. Somos uma sociedade plural. Vivemos numa democracia de visões diferentes.
Simone, aliás, está participando efetivamente da campanha. Por que Ciro não faz o mesmo?
Eu esperava um posicionamento mais contundente dele pelo futuro da democracia, contra o fascismo. Respeito-o e parabenizo o PDT, que, por unanimidade, decidiu apoiar Lula. Seu irmão Cid está participando ativamente da campanha. Espero que Ciro possa fazer uma reflexão até o dia 30 e adotar uma posição mais firme e presente. Sei que pode ter críticas ao Lula, não gostar dele ou mesmo guardar questionamentos. Mas, nesse momento, entre um e outro, não há dúvidas de que o melhor caminho é a eleição de Lula.
Se Lula vencer, o governo penderá mais ao centro do que em 2002 e 2006?
Antes de tudo, é preciso ter uma pactuação para reduzirmos a desigualdade. Vivemos com uma minoria milionária e a maioria pobre. Ou vemos isso, ou teremos um apartheid insustentável. Precisamos envolver todos — sistema financeiro, iniciativa privada, Congresso. Isso não depende só de boa vontade. É preciso ter pragmatismo também. Como vou transformar todas as escolas em unidades de tempo integral sem recursos para investir? É esse debate que Lula fará, convocando a sociedade. Nem tudo poderá ser feito. Mas temos de estabelecer consensos para melhorar a vida do povo.
Como vê as cobranças mais incisivas do mercado financeiro em relação a Lula do que a Bolsonaro?
O mercado já conhece Lula. O governo dele foi o período em que o Brasil mais cresceu, empresários ganharam dinheiro e empregos foram gerados. Não tem novidade. Fico surpreso com o comportamento. Medo havia naquela época, quando ninguém sabia como seria um governo Lula. Hoje, sabemos que foi uma gestão que dialogou e construiu coletivamente, com responsabilidade fiscal. Será assim se ele vencer agora. Precisamos de uma transformação estrutural. O que queremos do Brasil em 30 ou 50 anos, independente do governo que vier? O mercado precisa ter medo da continuidade desse governo desastroso de Bolsonaro, não do Lula.
O sr. mencionou a urgência de mudanças profundas. Como tende a ser a reforma tributária do PT?
Há grande concentração de renda e a tributação é feita apenas em cima do consumo. É preciso tributar mais fortemente a renda e o patrimônio, como acontece em outros países do mundo inteiro. Costumo brincar lembrando que o brasileiro assalariado que vai na padaria comprar um pãozinho paga o mesmo imposto que o milionário. Está errado. Quem ganha menos paga menos e quem ganha mais paga mais. Esse debate deve acontecer com seriedade, transparência e diálogo. Por isso, precisamos de um presidente com capacidade de unir o país. Temos de acabar com essa polarização que existe hoje. Parece time de futebol, com torcedores de um lado e do outro e ponto final. É necessário pensar no Brasil como um todo.
Se vencer, Lula terá dificuldades no Congresso? Como acabar com o orçamento secreto?
É um absurdo o que está acontecendo no País com o orçamento secreto. É uma vergonha, um crime. Governadores e prefeitos não vão mais a ministérios pedir dinheiro, mas a deputados. O ministro pede para o governador conversar com o parlamentar para liberar dinheiro para a pasta. Falam em transparência, mas ninguém sabe efetivamente para onde o dinheiro está indo. Ninguém presta contas.
O sr. recebeu essa orientação de ministros?
Ouvi de muitos prefeitos e governadores. Praticamente, a gente ia ao ministério e ouvia: ‘Ah, estamos esperando o orçamento ser liberado’. É um absurdo. Você tem que ter força política com um deputado para conseguir liberar recursos para o benefício da população de um estado. Fiquei com R$ 44 bilhões para obras em escolas presos no FNDE e não conseguia liberar. Mas, se procurasse um deputado, ele poderia autorizar. Isso não existe, não é republicano. Fui governador para os 184 prefeitos cearenses, independentemente se eram de oposição ou situação. Era tudo balizado por critérios. É assim que uma gestão deve funcionar.
Mas o Congresso não quer abrir mão facilmente do controle do orçamento, certo?
O orçamento secreto é um mal para o País. Podemos construir mecanismos que fortaleçam o Congresso e ampliem a valorização de deputados e senadores. Mas de forma transparente. Precisamos da cultura de planejamento a médio e longo prazo, para que, independentemente do governo que esteja no poder, seja cumprido um plano construído pela sociedade e pelo setor produtivo.