RADICAL  Marine Le Pen: seus mais de 40% dos votos surpreenderam a candidata (Crédito:Christophe Archambault)

Emmanuel Macron, que os franceses chamam de “jupiteriano” – apelido para indivíduo arrogante, que se considera autossuficiente –, prometeu que fará um segundo governo bem diferente nos próximos cinco anos. Isso significa que ele terá de ouvir mais e negociar muito com seus potenciais aliados. O primeiro grande teste do novo mandato, na passagem do discurso do “governo para todos” à prática, será a eleição legislativa marcada para 12 e 19 de junho, que irá renovar as 577 cadeiras da Assembleia Nacional. É essencial para Macron conseguir uma aliança majoritária, porque é dela que sairá o primeiro-ministro – aquele que efetivamente coloca o país para funcionar. O presidente pode até indicá-lo, mas o nome precisa do referendo parlamentar.

Macron venceu, mas com a rival Marine Le Pen nos calcanhares (58,55% a 41,45%). A performance da extrema direita surpreendeu a própria candidata e, somada à abstenção nas urnas (28,01%) ainda mais alta no segundo turno do que no primeiro, escancarou a desilusão com a política como ferramenta para fazer valer reivindicações populares, principalmente por parte dos jovens e pequenos agricultores descontentes com a globalização. Por isso, Macron tem até junho para realizar reuniões de comissões nacionais e acionar a cidadania ativa, como fez na questão dos coletes-amarelos. Terá ainda que debater temas caros aos franceses, como educação, saúde, custo de vida, aposentadoria e meio ambiente. À mesa deverão se sentar todos os partidos – à exceção da extrema direita, como já deixou claro. Depois de chegar ao terceiro lugar na eleição, com 21,95% dos votos para a extrema esquerda, Jean-Luc Mélenchon assumirá papel bem relevante.

“A raiva que levou aos votos na extrema direita deve encontrar uma resposta” Emmanuel Macron, presidente reeleito da França

A negociação será o maior desafio de Macron para impedir que os radicais de direita consigam maioria na Assembleia Nacional, que tem a palavra final na aprovação de leis, em caso de divergência com o Senado. François Weigel, professor de Literatura e Língua Francesa na UFRN, antevê dois cenários possíveis: “O mais provável é que Macron consiga a maioria, com seu partido En Marche!, de centro, aliando-se ao Le Républicains, socialista, e outros que tiveram menos votos. Mas existe a possibilidade de Mélenchon conseguir maioria e Macron indicá-lo como primeiro-ministro, ou algum outro nome do partido France Insoumise”. Segundo o professor, historicamente os franceses gostam do que chamam de coabitação no governo, com o presidente de um partido e o primeiro-ministro de outro, mesmo sob tensões e atritos. “Foi assim com François Mitterand, que era de esquerda, e teve Jacques Chirac, de direita, como primeiro-ministro. Depois foi a vez de Chirac, presidente, ter Lionel Jospin, de esquerda, como primeiro-ministro.”

O tema mais preocupante são os jovens que se voltam para a extrema direita, porque, segundo o professor Weigel, “o problema tem causas profundas e poderá estar ainda mais forte daqui a cinco anos. Macron sabe disso. Se antes não fez nada para reverter esse processo, agora deverá olhar para essa questão.”

Alívio na Europa

Macron recebeu apoio forte de representantes europeus por ter evitado o pior – no caso, a extremista Le Pen –, ainda mais em meio a um cenário conturbado pela guerra na Ucrânia. “Com ele, a França manterá sua postura pró-Europa, que vem desde Charles de Gaulle, reafirmando que a segurança dos europeus deve ser garantida por eles mesmos”, diz o professor de Relações Internacionais da UNB, Roberto Goulart Menezes. “Por isso, acredito que Macron irá se engajar ainda mais como mediador do conflito, papel assumido antes da reeleição. O MI6 [serviço secreto britânico] prevê que a guerra se estenda até o fim de 2023 e os países da Europa já perceberam que têm de se preparar, sem entrar totalmente na agenda dos EUA, que não têm problemas com gás ou petróleo.”

Para ele, a vitória de Macron vale especialmente para a Alemanha, porque os dois países têm sintonia em temas sensíveis, como imigração e transição energética, além da unidade europeia. “O primeiro-ministro alemão Olaf Scholz admitiu que não dá para substituir o gás russo de imediato, porque o país é vulnerável nesse aspecto. Com inflação, desemprego, desabastecimento e o crescimento da extrema direita, os europeus não têm interesse em seguir com a guerra. Antes da reeleição, Macron trabalhou para tentar apagar esse incêndio. Agora, acredito que tentará puxar o Putin para a mesa de negociações.”