22/12/2022 - 9:30
Na política – Luiz Inácio Lula da Silva
Luiz Inácio Lula da Silva retorna ao poder aos 77 anos, escrevendo o futuro da esquerda brasileira. A história foi ele quem ajudou a construir. Nascido em Garanhuns (PE), em 1945, o ex-operário emergiu no meio político a partir das greves gerais no ABC Paulista e do seu engajamento nas Diretas Já. Fundou o PT e, como deputado constituinte, ajudou na retomada da democracia no País. Antes de vestir a faixa presidencial, perdeu três eleições para Fernando Collor e FHC. Quando ascendeu ao poder, construiu um legado reconhecido de combate à miséria e ateve-se às contas públicas. À época, nem mesmo o Mensalão foi capaz de derrubá-lo, e Lula deixou o governo em 2011 como o presidente mais popular da história, com cacife suficiente para emplacar a sucessora, Dilma Rousseff. Anos depois, porém, entrou na mira da Lava Jato e foi condenado nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. Passou 580 dias na cadeia, até o STF anular as sentenças. De volta ao Planalto, tem o desafio de “não ser um Michael Schumacher”, o campeão de F1 que, após um período de afastamento, não repetiu a mesma performance ao retornar às pistas.
“Não aborte os seus ideais no ventre da covardia. Vá à luta empunhando a verdade, que a liberdade não é utopia.” Os versos da canção Massa Falida, da dupla Duduca e Dalvan, cantados pela militância na porta da sede da Polícia Federal em Curitiba, em 8 de novembro de 2019, parecem ter servido como roteiro para a reabilitação política de Lula. Naquela tarde, ao deixar a prisão, o petista aventou o plano de percorrer o País para discutir uma alternativa eleitoral a Jair Bolsonaro — talvez nem mesmo ele soubesse, porém, o quão inusitado seria o caminho. Dezessete meses depois, Lula teve todas as condenações na Lava Jato anuladas e, elegível mais uma vez, soube se portar pela salvaguarda da democracia em uma corrida presidencial que representou, na verdade, um plebiscito sobre a Constituição de 1988, devido ao latente recrudescimento dos ataques do capitão às instituições. O petista modulou o discurso, deixou rancores para trás e arregimentou ao seu lado, nas trincheiras, até mesmo antigos adversários, a começar por Geraldo Alckmin. Foram 1.087 dias, da saída da cadeia ao triunfo no pleito que, segundo ele próprio, mostrou-se o mais importante de sua vida.
Primeiro presidente eleito pelo voto direto por três vezes, Lula antevê que o desafio está longe do fim. O bolsonarismo incrustou-se em parte da população, como estampam episódios de violência na campanha e as arruaças ao lado de quartéis militares. A pacificação da sociedade, portanto, levará tempo. Mas os núcleos extremistas não amedrontam o petista. “Temos experiência e a maioria da população e do mundo político entende que o País precisa de paz, de diálogo, de trabalho sério, de união acima das diferenças para o bem comum”, pontua à ISTOÉ. “Há, hoje, essa novidade de um grupo pequeno de pessoas que, talvez por causa das mentiras que recebe no celular, está muito radicalizado, mas isso vai se reduzindo com o tempo e com o combate às fake news e aos inimigos da democracia”, emenda.
O arrefecimento dos ânimos, aliás, passa pela reconstrução do País, que tende a ser conduzida a várias mãos pela frente ampla que se posicionou ao lado do petista na corrida presidencial. A relação azeitada entre Lula e Alckmin, aliás, facilitará o trabalho. “Alckmin é muito qualificado, trabalhador e vai ter muito, mas muito trabalho no governo. Estamos montando um time experiente de ministros para colocarmos o País o mais rápido possível no caminho da inclusão social e do desenvolvimento”, comenta o presidente eleito, que deve anunciar a escalação completa da Esplanada na próxima semana, depois de desatar nós na negociação com partidos de centro, como PSD, União Brasil e MDB.
“Temos um desafio imenso, ainda mais pegando o País pior do que quando assumi em 2003. Eu quero fazer um mandato melhor que os meus dois primeiros”
Obstinado no combate à miséria, Lula frisa que a principal meta é retirar o Brasil mais uma vez do mapa da fome em apenas quatro anos, com o Bolsa Família de carro-chefe. A tarefa será árdua, pois 33 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar grave. “Vamos ter que colocar o pobre no Orçamento, consertar o cadastro único, que o governo atual desorganizou, trabalhar com as prefeituras e estados e dar apoio para a produção de alimentos não só pelos grandes produtores, mas também por quem tem pequenas e médias propriedades”, diz o presidente eleito. Indagado sobre os erros de gestões que evitará repetir, Lula desconversa e limita-se a antecipar que buscará se livrar das “burocracias” e “não perder tempo com o que não é importante”. “Temos um desafio imenso, ainda mais pegando o País pior do que quando assumi em 2003. Eu quero fazer um mandato melhor que os meus dois primeiros”, afirma.
As metas são ambiciosas. Lula tem à frente uma série de obstáculos a uma gestão exitosa, do aspecto fiscal, em razão de um orçamento deficitário, ao de articulação, pela dependência de um Congresso especialista em barganhas políticas. Precisa, ainda, driblar a desconfiança de grande parte da população que ainda nutre em si o antipetismo e teme a repetição dos escândalos de corrupção que assolaram o País nos últimos anos. Se superar os estorvos, se consolidará como o maior presidente do Brasil e ampliará o cacife para emplacar um aliado no Planalto em 2026, visto que já indicou que não concorrerá à reeleição. Ele diz, porém, que, por ora, não pensa na sucessão, como fazem nomes de seu entorno. “O trabalho mais importante agora é montar o governo, reconstruir o Brasil, recuperar os programas sociais e melhorar a vida do povo.” Todos torcem para que essas metas se realizem.