A queda de um viaduto na Galeria dos Estados, numa das áreas mais movimentadas de Brasília, seguiu o roteiro perfeito de uma tragédia anunciada. Foram pelo menos sete alertas de especialistas, desde 2009, sobre a necessidade de reparos urgentes na estrutura do viaduto que cedeu na terça-feira 6. Um relatório concluído em 2012 pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (TC-DF) apontou os riscos da estrutura precária do viaduto. O alarme, no entanto, foi sucessivamente ignorado pelas autoridades do DF. Nada foi feito. Infiltrações, vibrações e rachaduras visíveis – tudo passou incólume pelo governo, como se fossem problemas triviais incapazes de afetar alguém. A tragédia só não foi maior por um capricho do destino: apesar dos quatro carros esmagados, além de um restaurante atingido pelo asfalto que cedeu, o desabamento não fez vítimas – os 20 minutos que faltavam para o horário do almoço, em geral de pico, foram suficientes para deixar completamente vazio o local destroçado, como se uma força superior tivesse afastado os transeuntes com a mão. Um verdadeiro milagre.

O inconcebível é viver numa capital condenada a ficar a mercê de milagres por omissão e negligência do poder público, comandado por servidores públicos sustentados com dinheiro público. A Defesa Civil não descarta novos desabamentos, e por isso, o local foi completamente isolado. Parte do Eixão Sul, principal via da cidade que liga as regiões norte e sul, ficará interditado pelo menos até o próximo dia 19. Para tentar correr atrás do prejuízo, que só não foi maior por obra e graça do acaso, os órgãos responsáveis estão elaborando um plano emergencial para a recuperação da estrutura danificada. “O DER, a Novacap e a Secretaria de Infraestrutura vão atuar juntos. Vamos fazer um escoramento desse viaduto e uma análise criteriosa da estrutura”, informou o diretor-geral do DER, Henrique Luduvice. Como em casos dessa natureza, as autoridades correm atrás do próprio rabo, na vã tentativa de remediar o desastre.

“A barragem do Lago Paranoá corre o risco de desabar em breve” Luiz Carlos Botelho, presidente do Sindicato da Construção Civil

O concreto rachou

Muito vaiado pelo público que acompanhava o atendimento à ocorrência, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) admitiu sem corar a face que o viaduto não tinha passado por manutenção. Rollemberg, que está no último ano do mandato e vai concorrer à reeleição em outubro, chegou ao cúmulo de mencionar a idade de Brasília para justificar a tragédia. “Brasília é uma cidade feita de concreto e que está envelhecendo”, disse. Não convenceu a população. Até porque Brasília é a segunda capital mais nova do País e vai completar 58 anos no dia 21 de abril. Só perde para Palmas, no Tocantins, fundada em 20 de maio de 1989.

Pode piorar. Auditorias do Tribunal de Contas do Distrito Federal constataram a precariedade de edificações públicas de Brasília. Um relatório mostrou que 13 de 15 lugares visitados não dispunham de “nenhum plano de manutenção”. Foram observadas rachaduras e infiltrações em estruturas como pontes e viadutos. No fim da semana, o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil, Luiz Carlos Botelho, fez um vaticínio ainda mais dramático. Segundo ele, a barragem do Lago Paranoá, o principal lago que corta cidade, também corre o risco de desabar em breve. “A barragem foi feita para conter e formar o lago, não é uma estrada para circularem as cargas verticais da mobilidade urbana. Há questões estruturais fortes.” Sim, será preciso corações fortes. Na cidade dos monumentos, o descaso é monumental.