Malcolm & Marie” não é um filme de amor, mas é sobre o amor.

A pequena diferença semântica pode soar insignificante à primeira vista, mas qualquer casal sabe que uma palavra pronunciada fora do lugar durante uma discussão gera consequências irreversíveis para o relacionamento.

É exatamente isso que o roteirista e diretor Sam Levinson explora aqui: o poder das palavras e a marca indelével que elas deixam nas relações afetivas.

O roteiro de Sam Levinson aborda o poder das palavras e a marca indelével que elas deixam nas relações afetivas

POLÊMICA Sam Levinson: roteirista e diretor aborda com ironia a questão do lugar de fala (Crédito:Tommaso Boddi)

A primeira coisa que chama a atenção nessa produção da Netflix é a qualidade do elenco, formado apenas por John David Washington e Zendaya. O talento dele é hereditário: ex-jogador de futebol americano e filho do ator Denzel Washington, atuou com destaque em “Infiltrado na Klan” e “Tenet”. Aos 24 anos, Zendaya virou sensação de Hollywood após brilhar em “Euphoria”, série que lhe rendeu um Grammy em uma disputa com atrizes consagradas como Olivia Calmon e Jennifer Aniston.

A história de “Malcolm & Marie” é simples: ela é uma ex-modelo, ele é um promissor diretor de cinema. Na volta da elogiada estreia de seu filme, o casal começa a discutir. Malcolm revela-se egocêntrico e inseguro; Marie não consegue esconder o ciúme pela atriz principal. Aos poucos, os detalhes sórdidos do relacionamento surgem e, como acontece quando presenciamos uma discussão na vida real, mudamos de lado na medida em que as culpas vão sendo apresentadas. Ele não a agradeceu no discurso após a sessão; ela quer arruinar a noite mais importante da vida dele. Duas versões de uma história em que não há certo ou errado, apenas visões conflitantes.

A conversa não gira somente sobre as farpas entre marido e mulher, mas inclui reflexões a respeito da recepção do público ao filme de Malcolm. Ele reclama do comentário feito por uma crítica de cinema: “você é um novo Spike Lee, um novo John Singleton”.

A comparação da jornalista com dois grandes diretores negros é encarada por ele como racista. Por que Malcolm não pode ser um “novo William Wyler”, como ele gostaria, um “novo Martin Scorsese”ou um “novo Stanley Kubrick”? Tudo fica mais interessante – e polêmico, vide as opiniões nas redes sociais – quando lembramos que o roteirista e diretor Sam Levinson é branco. Há outra questão interessante que aborda a real motivação de um artista quando cria uma obra de arte. Seria possível dizer, exatamente, o que inspira um filme? De onde vem a ideia, a concepção para os personagens, as frases do roteiro? O filme não traz respostas, apenas possibilidades.

Teto de zinco quente

Conflitos entre casais são tão velhos quanto o amor em si, mas o primeiro a compreender o impacto emocional que uma discussão acalorada teria sobre a plateia foi o dramaturgo Tennessee Williams. Nascido no Mississippi, Thomas Williams adotou o pseudônimo graças à infância feliz em Nashville, capital do Tennessee. Premiado com dois Pullitzer, ficou famoso por transformar problemas conjugais em arte. As peças “Um Bonde Chamado Desejo” (1948) e “Gata em Teto de Zinco Quente” (1955) fizeram sucesso também nas adaptações feitas para o cinema por Elia Kazan e Richard Brooks, respectivamente. O filme de Kazan, inclusive, revelou um jovem talento ao mundo: Marlon Brando.

Os problemas pessoais de Williams – a depressão, o alcoolismo e o homossexualismo, condenado à época – o inspiraram a colocar no “ringue” entre quatro paredes homens abalados pelo pós-guerra e mulheres que começavam a descobrir como enfrentá-los. Hoje a discussão pode ter causas diferentes, mas “Malcolm & Marie” prova que continuam a gerar boas obras de arte – desde que passem bem longe da vida da gente, claro.

Dos palcos para o streaming

A Voz Suprema do Blues

Divulgação

“Malcolm & Marie” é um filme, mas poderia ser uma peça de teatro. Filmado em um único ambiente, remete a outras produções que nasceram nos palcos e foram parar no streaming. O filme, inspirado na vida da cantora Ma Rainey e estrelado por Viola Davis e Chadwick Boseman, também é centrado em grandes atuações e um dos destaques da Netflix.

Uma Noite em Miami

Divulgação
Inspirado em outro evento real, o filme de Regina King se passa em um quarto de hotel e é a adaptção da peça de 2013, de Kemp Powers. A data é 25 de fevereiro de 1964, noite crucial na vida de quatro ícones negros: o então campeão mundial de boxe Muhammad Ali, o cantor Sam Cooke, o ativista Malcolm X e o astro do futebol americano Jim Brown.