Não bastasse o aparelhamento de órgãos de investigação que permitem que ele faça o que bem entende sem o risco de represálias, Jair Bolsonaro emplacou nomes “terrivelmente” bolsonaristas nas mais altas cortes do País. Se, no Supremo Tribunal Federal, André Mendonça e Kassio Marques desempenham a função, no Tribunal Superior Eleitoral, o papel fica a cargo do ministro Raul Araújo. Dono de decisões controversas, ele poupa o presidente e já censurou adversários do capitão, colocando o plenário em saia justa.

Araújo chegou ao TSE pela cota de indicações do Superior Tribunal de Justiça, Corte na qual conquistou uma cadeira em 2010, ironicamente, pelas mãos de Lula. Recém-empossado como titular no tribunal eleitoral, é visto como um ministro “fechado” e “conservador”. O trânsito que falta com magistrados sobra entre os políticos. Araújo mantém proximidade com figurões, como José Sarney. “Ele está acostumado com o jogo da política e a acomodação de interesses”, diz um aliado de Lula, que admite irritação com a benevolência do ministro com Bolsonaro.

Em uma das primeiras decisões como titular, Araújo rejeitou na quarta-feira um pedido do PDT pela investigação do uso de recursos dos fundos eleitoral e partidário do PL para bancar as caravanas de militantes que participaram dos atos do Sete de Setembro — nas manifestações, milhares de extremistas levantaram bandeiras antidemocráticas. “As graves acusações informadas neste expediente poderão ser confrontadas com os dados contábeis a serem divulgados no prazo regulamentar previamente definido”, disse.

Bolsonaro genocida

Não há ineditismo no despacho conforme os interesses do bolsonarismo. Araújo já proibiu manifestações políticas no Lollapalooza depois de artistas demonstrarem apoio a Lula. No mês passado, determinou a remoção de vídeos em que o petista chama o presidente de “genocida” — a decisão foi criticada internamente, porque, na concepção dos magistrados, ameaça a liberdade de expressão. Estampando o racha, Cármen Lúcia tem seguido a direção oposta e autorizado a manutenção de gravações similares no ar. Ministros explicam: se proibirem adversários de chamarem Bolsonaro de “genocida”, terão de vetar que aliados do presidente tachem Lula de “ladrão”, por exemplo.

O mal-estar culminou em respostas veladas da cúpula do TSE. Pela tradição, são ministros substitutos que cuidam de ações sobre propaganda eleitoral. Mas os dois que ascenderam a titulares nos últimos dias tiveram tratamentos diferentes. Cármen permaneceu à frente dos processos, ao lado dos substitutos Paulo de Tarso Sanseverino e Maria Claudia Bucchianeri, enquanto Araújo perdeu a função. Além disso, Alexandre de Moraes ordenou que todas as decisões em ações de propaganda sejam submetidas ao plenário, para o alinhamento do entendimento geral. É a vacina contra o bolsonarismo exacerbado que poderia arrastar a corte, mais uma vez, para o caos.