18/11/2022 - 9:30
Joias da coroa de um governo, ministérios são as principais peças colocadas à mesa montada por um presidente eleito para a negociação do apoio de dirigentes partidários e do Congresso. Não representam, porém, as únicas ambições dos todo-poderosos da capital. A articulação, historicamente, envolve órgãos de segundo escalão, como DNIT, Dnocs e FNDE. A cotação das pastas, usadas como moeda de troca no mercado político, cresceu ao longo dos últimos anos, como reflexo da ampliação do poder concentrado nas mãos de seus diretores e presidentes. Não à toa, a disputa pelas estruturas, fortalecidas com a criação de novos assentos para apadrinhados e a ampliação dos já bilionários orçamentos, ganhou os corredores de Brasília antes mesmo de Lula anunciar os chefes da Esplanada. O pregão está aberto e concorrido.
O PSB costura um acordo para assumir a Codevasf, que, desde a fundação, cuida de obras de infraestrutura hídrica e, sob Jair Bolsonaro, expandiu em muito sua atuação, tocando até mesmo pavimentações em regiões metropolitanas. Pessebistas argumentam que a pasta pode fortalecer a sigla, que perdeu a hegemonia de 16 anos à frente de Pernambuco, e a ajudar a ampliar a ascendência no Norte e Nordeste, com vistas às eleições municipais. “É um órgão com um olhar regional, que garante uma relação direta com a base política do partido”, pontua um aliado do governador pernambucano Paulo Câmara, sob a condição de anonimato.
Mais do que isso, a Codevasf, atualmente controlada pelo União Brasil e com assentos distribuídos ao Progressistas, dispõe de um orçamento robusto articulado pelo parlamento. As contas estampam a relação. A gestão Bolsonaro sugeriu no projeto de Lei Orçamentária de 2022 uma reserva de R$ 909,1 milhões para a companhia. O Congresso, porém, turbinou os caixas da pasta com emendas de relator, garantindo um total de R$ 2,1 bilhões. O mesmo pode ocorrer no ano que vem. A peça inicial estabelece uma cota de R$ 874 milhões para o órgão, mas, ao fim a ao cabo, o valor que chegará na ponta tende a ser muito maior graças a deputados e senadores. O Tribunal de Contas da União critica a dependência. A preocupação não é desarrazoada. Submisso aos interesses do Congresso, a Codevasf tornou-se palco de escândalos de corrupção — uma auditoria revelou indícios da ação de um cartel de empresas em fraudes a licitações da estatal que somam mais de R$ 1 bilhão.
A Codevasf é apenas um dos órgãos que podem ser redistribuídos no governo Lula 3.0. Aliados do presidente eleito dão como certa a saída de Marcelo da Ponte, pupilo de Ciro Nogueira, da chefia do FNDE. Na bolsa de apostas, um dos nomes fortes para a sucessão é o de Gabriel Chalita, fiador da chapa entre o petista e Alckmin. O ex-deputado, que está sem partido, integra a equipe de transição e chegou a ser aventado para a chefia do MEC. Com o passar das semanas, no entanto, a balança passou a pender para a escolha da governadora do Ceará, Izolda Cela, para o ministério. O FNDE, portanto, seria uma forma de garantir protagonismo a Chalita, que pode ter em suas mãos um Orçamento de R$ 53,1 bilhões e voz sobre a execução da maioria dos programas da Educação Básica no País.

O trânsito de Chalita na chapa presidencial tem raízes em São Paulo. O ex-deputado atuou como secretário da Juventude no governo Alckmin. Depois, como secretário municipal de Educação na gestão Fernando Haddad e, na sequência, concorreu à Vice-Prefeitura ao lado do petista. Desde o ano passado, os laços se intensificaram. O jantar de aniversário de Alckmin, aliás, foi celebrado na casa do ex-parlamentar, com direito a risoto, bacalhau e massas ao funghi. Se assumir o FNDE, Chalita terá a missão de moralizá-lo. Rodeada por escândalos de corrupção, a autarquia caiu em descrédito após a revelação de que os pastores lobistas exigiam propina de prefeitos em troca da liberação de recursos do fundo.
Em outra ponta, o PSD garimpa o próprio espaço na próxima gestão. Na semana passada, Gilberto Kassab afirmou a aliados que lutará por dois ministérios para o partido em troca da adesão ao governo. Sabe, porém, que é uma aposta alta, dado que, apesar da proximidade entre ele e Lula, a sigla optou pela neutralidade nas eleições. Entre os “ministeriáveis”, está o senador Alexandre Silveira, que coordenou a campanha de Lula em Minas Gerais. Aliado de primeira hora de Rodrigo Pacheco, Silveira deixa o mandato em 2023 e é citado por correligionários como uma possibilidade para o Ministério da Infraestrutura. A pretensão, contudo, pode esbarrar em Fernando Haddad, que tende a ser alocado na pasta, caso não fique com a Fazenda.
Se os planos colidirem, o senador mineiro pode ganhar o comando de um órgão de segundo escalão vinculado ao ministério, como o DNIT, onde já atuou como diretor-geral. O órgão é, desde 2019, gerido por Antônio Leite dos Santos Filho, da cota pessoal de Bolsonaro. Sob os holofotes, pessedistas desconversam. “Essa questão de ministério ou órgão secundário não pode ser uma imposição para você apoiar um governo, sobretudo em um momento de unificação do país”, pondera Omar Aziz, também do PSD. “Mas Silveira e outras pessoas do partido, claro, são competentes e podem contribuir. Vamos fazer um governo de coalizão”, emenda.
O PSB de Paulo Câmara almeja a Codevasf; Gabriel Chalita pode assumir o FNDE; e Alexandre Silveira (PSD) pode ir para o comando do DNIT
MDB entra em cena
Pelo MDB, Renan Calheiros, que desempenhou papel de destaque na oposição a Bolsonaro e, agora, está de volta ao centro das articulações pelo poder, quer garantir um amplo espaço ao partido no governo. O grupo do emedebista repete, entre corredores, que Simone Tebet faz parte da cota pessoal de Lula e, portanto, não pode ser contada, na divisão da Esplanada, como um assento da sigla. Calheiros não esconde o desejo de alçar o primogênito, Renan Filho, ao Ministério do Desenvolvimento Regional. Mas deve ir além. Para petistas, o congressista buscará devolver às mãos do MDB antigos feudos.
Entre os órgãos que podem entrar no radar de Renan, está o Dnocs, responsável pela construção de barragens e açudes em regiões áridas do país, que tem, por óbvio, ampla capilaridade eleitoral no Nordeste. Ali, pesa contra o senador alagoano o fato de o órgão estar sob as ordens do Avante, que participou da coligação de Lula. O Fundo Nacional de Saúde, que leva saneamento básico e água de qualidade aos brasileiros, também figura na lista de ambições do emedebista — a autarquia renderia um descompasso, já que, atualmente, funciona por meio da direção de Miguel da Silva Marques, indicado pelo PSD, de Kassab. A briga por espaço promete ser longa.