Ancorados de praia em praia em seus superiates, tomando champanhe com os amigos ou fazendo negócios, muitos brasileiros privilegiados se voltaram para o mar durante a pandemia. Isso teve um efeito imediato no mercado: a alta procura e a consequente valorização dos barcos fez os preços duplicarem. Depois do fenômeno, no entanto, as vendas no Brasil caíram e os estaleiros locais se voltaram ao mercado externo. Com mão de obra reconhecida pela excelência, os empresários agora querem aproveitar a expertise e o conhecimento para debater o futuro da indústria náutica brasileira. O objetivo não é apenas voltar a crescer no mercado interno, mas incrementar ainda mais as exportações. Também será preciso incentivar o turismo estrangeiro ao longo da costa brasileira, atraindo proprietários de barcos norte-americanos e europeus que navegam pelo Caribe e pelo Mediterrâneo.

O sucesso de vendas das companhias nacionais no Miami Boat Show, em fevereiro, animou os empresários a conversar com o governo sobre a questão do IPVA para barcos — produtos de alto luxo construídos de forma artesanal, ao contrário de carros e jatinhos, que são fabricados em série. A ideia é mostrar que o setor é estratégico e gera cada vez mais empregos. Há profissionais de perfil variado, que incluem projetistas, mecânicos, laminadores e eletricistas. Destaque para o estado de Santa Catarina, onde o número de estaleiros praticamente dobrou nos últimos anos, passando de uma dezena.

LUXO Schaefer 770: superiate é produzido pelo maior estaleiro do Brasil, que hoje emprega 800 funcionários (Crédito:RAFAEL RIBEIRO)

Esses são os argumentos dos fabricantes, para quem a cobrança de IPVA de lanchas, iates ou superiates empurraria interessados a comprar mais barato no Exterior. O Rio Boat Show, que vai deste sábado (29) até 7 de maio, na Marina da Glória, reúne 80 expositores e aguarda 35 mil visitantes. Para o diretor Ernani Paciornik, o momento é positivo: “A indústria náutica brasileira está crescendo, mas pode ser travada pela taxação”. Marcio Schaefer, projetista e fundador do estaleiro de Florianópolis que leva o seu nome e é hoje o maior do país, diz que emprega 800 funcionários e que já vendeu mais de 150 barcos nos últimos anos. “A indústria náutica não é robotizada. É geradora de mão de obra”, diz ele, para quem o Brasil ainda tem um caminho imenso a ser aberto no setor. “França, Itália e Espanha são coalhadas de marinas, uma a cada dois ou três quilômetros. O meio náutico pode contribuir muito para a economia do Brasil.” Damien Chaves, construtor naval do MCP Yachts, exporta alguns dos maiores barcos em alumínio na América do Sul, com até 140 pés (mais de 40 metros). “Nossos estaleiros brasileiros são gabaritados e poderiam entregar ainda mais, dentro ou fora do País”, afirma. Há enormes mercados para iates de grande porte, como é o caso dos países europeus. Para ele, o Brasil se ressente de competitividade, quando comparado a nações como a Turquia, que possui facilidades tributárias.

Festa e aventura

Thierry Stump, ex-dono de estaleiro em Itapevi-SP, explica que há diferentes perfis entre os compradores de barcos. “Na Europa, superricos da Côte D’Azur fecham negócios em superbarcos, que emprestam a banqueiros para velejadas de uma semana”, diz. Aqui, os empresários procuram se divertir nos fins de semana. E também há aqueles que valorizam o status e gostam de exibir seus superiates em enseadas fechadas. “Temos ainda os aventureiros, que gostam de enfrentar mares mais duros, como o do Rio Grande do Sul, os aposentados, que vivem ancorados, e os casais jovens que decidiram viver velejando e fazem do barco a sua casa”, afirma.

Para Thierry, o sucesso brasileiro no recente Miami Boat Show atesta como o País soube sair da queda no mercado interno e manter o nível de produção, passando a exportar. Não à toa, diz ele, alguns dos principais estaleiros do mundo, como os italianos Ferretti e Azimut, decidiram se instalar em Santa Catarina para a fabricação de modelos gigantes. “O mercado ficou tão aquecido, que daqui a pouco até vão tentar roubar funcionários uns dos outros”, brinca o empresário.