Depois de ficar esquecido por décadas no depósito do bar favorito do escritor norte-americano Ernest Hemingway, um verdadeiro tesouro de materiais pertencentes ao autor finalmente veio à tona. Os achados do “Sloppy Joe’s Bar”, que ainda está em funcionamento na cidade de Key West, na Flórida, onde o escritor viveu, contêm quatro contos inéditos, diversos manuscritos, centenas de fotos e cartas que devem oferecer novas perspectivas a vida e a obra do escritor que fascina gerações com seu estilo inconfundível. A “Coleção Toby e Betty Bruce de Ernest Hemingway”, aberta ao público na Universidade da Pensilvânia, traz, além do conteúdo literário, itens importantes da história do laureado com o prêmio Nobel de Literatura de 1954, como seu uniforme de soldado da Primeira Guerra Mundial, cheques, bilhetes de tourada e até uma mecha de cabelo, ou seja, artefatos que devem deixar qualquer fã de Hemingway de boca aberta.

Entre as descobertas está um divertido conto inédito de três páginas intitulado “Kid Fitz” – uma sátira com F. Scott Fitzgerald – que traz o amigo escritor como um jovem boxeador que luta contra outros autores famosos que recebem nomes cômicos característicos do boxe como “Battling Milton”, “K.O. Keats”, “Spike Shelley” e “Wild Cat Wordsworth”. Hemingway amava o esporte e frequentemente comparava a arte do boxe à da escrita: imaginava cenários em que entrava em combate com os maiores escritores do mundo. “Há alguns caras que ninguém jamais poderia vencer, como o Sr. Shakespeare (O Campeão) e o Sr. Anônimo”, escreveu o autor em uma carta de 1949. “Hemingway sempre foi considerado uma figura extremamente masculina, que gostava de lutar, de caçar, mas ele tinha um lado bastante sensível. Esses novos materiais mostram as nuances de sua personalidade”, diz a editora Barbara Mastrobuono, mestre em Teoria Literária pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A especialista explica que o autor era “uma figura controversa, mas fascinante, por isso há tanto interesse na vida pessoal do autor”.
A caixa onde se lê “Tesouros do bebê de Ernest”, escrito com a caligrafia de sua mãe, é um dos artefatos mais comentados até o momento. Ali foram encontrados uma mecha de seu cabelo, sapatinhos de bebê e a cabeça de seu brinquedo favorito, chamado carinhosamente de “Cachorrinho”. Mas, afinal, por que esse material ficou escondido – em um bar – por tanto tempo? Após o fim de seu segundo casamento em 1939, Hemingway deixou caixas no depósito do estabelecimento e nunca mais voltou para buscá-las. Só depois de sua morte em 1961, que sua quarta esposa, Mary Welsh Hemingway, apareceu para resgatar o conteúdo. A viúva ficou com alguns itens e deixou o restante para amigos do marido, o casal Betty e Toby Bruce, que dão nome à coleção. Só recentemente, porém, o filho dos dois, Benjamin Bruce, fez um inventário dos objetos antes de vendê-los para a Universidade da Pensilvânia por um valor não revelado. Nos relatos pessoais, chama a atenção uma frase mórbida escrita em 1926, na qual contempla a morte e o suicídio 35 anos antes de tirar a própria vida: “Quando me sinto deprimido, gosto de pensar na morte e nas várias maneiras de morrer e acho que provavelmente a melhor maneira, a menos que você consiga morrer dormindo, seria pulando de um transatlântico à noite”. À medida que os estudiosos se aprofundam na coleção, mais detalhes sobre sua vida pessoal e seu processo de escrita devem vir à tona.

Uma vida bem vivida
Hemingway: prazer, guerra e bons amigos

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