27/01/2023 - 9:30
O tesouro foi descoberto próximo ao antigo local onde de localizava o gueto de Litzmannstadt, ou gueto de Lodz, onde os nazistas prenderam milhares de judeus durante o Holocausto. Um terço dos residentes em Lodz antes da Segunda Guerra era de judeus: cerca de 30% dos habitantes, ou pouco mais de 230 mil pessoas, uma das maiores comunidades da Europa. Apenas cerca de 10 mil judeus de Lodz sobreviveram até o final do conflito mundial.
Os itens apresentados por historiadores e arqueólogos ornamentaram as casas em datas de celebrações. Aparentemente para preservar seus bens, os embrulharam e os enterraram às pressas nos primeiros momentos da guerra — com a esperança de um dia resgatá-los, o que infelizmente não aconteceu.

Foram localizados mais de 400 objetos de prata, incluindo copos de Kiddush, menorás, chanuquiás, castiçais de Shabat, talheres, bem como alguns recipientes de cosméticos, tudo envolto em jornais velhos e guardados em uma caixa de madeira. Não havia nenhum bilhete, nenhuma instrução de para onde enviar tais pertences ou qualquer indicação de seus proprietários. “Eram peças de dias de comemorações do nosso povo. O que consideramos nossa maior riqueza, porque são itens que passam de geração para geração. É nosso legado!”, explica a coordenadora educacional do Memorial do Holocausto, Sarita Mucinic Saruê. “Olhando para elas, é quase possível imaginar as calorosas homenagens que ocorriam nos jantares, quando esses castiçais de Shabat brilhavam com luz e os copos e talheres de Kidush ajudavam a tornar o ambiente familiar aconchegante”.
Por centenas de anos, Lodz, a terceira maior cidade da Polônia, foi o lar de uma das maiores comunidades judaicas do mundo, com população em 1939, às vésperas da Segunda Guerra, de cerca de 700 mil habitantes. Escolas judaicas, sinagogas, grupos de jovens, instituições de caridade e clubes criaram uma vibrante vida cultural e religiosa. “A descoberta é notável, especialmente a quantidade”, disse Agnieszka Kowalewska-Wójcik, diretora de um conselho local, em entrevista à imprensa polonesa. “São elementos históricos valiosos, que testemunham a história dos habitantes desse edifício”.

A cidade abrigava teatros e jornais iídiche, e outros periódicos judaicos impressos em polonês e hebraico. A primeira escola secundária em língua polonesa estava ali localizada. Houve até um antigo kibutz – pequena fazenda israelense economicamente autônoma – onde os judeus trabalhavam na agricultura antes de se mudarem para a Israel. “É muito provável que se tenha mais tesouros como esses. Era uma cidade muito importante para o povo judeu. Mas, por conta do trauma que o nazismo causou ao nosso povo, não existem escavações com o objetivo de reencontrar a história de uma época tão sombria”, explica Saruê.
A maioria dos artefatos descobertos será exibida no Museu de Arqueologia e Etnografia de Lodz. “Provavelmente, essas pessoas perderam suas vidas no Holocausto”, explicou o vice-prefeito Adam Pustelnik. “Essas histórias são verdadeiramente raras e preciosas, e, também uma grande lição para todos nós”.
Dois dos itens receberam vida nova no Hanukkah passado: a comunidade providenciou para que duas das menorás fossem acesas publicamente – a primeira vez que foram usadas em quase um século –, declarando ao mundo que após os horrores do nazismo, ela sobrevive.
Nunca saberemos quem guardou as heranças na Rua Polnocna, 23, fora dos muros do gueto. As mães que acendiam velas todas as semanas nos candelabros de prata enterrados, os pais que faziam Kiddush para a família e as crianças que se reuniam em torno de mesas familiares foram varridos pelo horror no gueto de Lodz — todos assassinados em trabalho escravo, pela fome ou gaseados em campo de extermínio hitlerista.
O Gueto de Lodz

As tropas alemãs ocuparam a cidade polonesa de Lodz em setembro de 1939. Ela possuía a segunda maior população judaica do país no período anterior à Segunda Guerra. No início de fevereiro de 1940, os alemães criaram um gueto no local, e nele concentraram mais de 150 mil judeus, em uma área de apenas 3.885 km2. Entre os anos de 1941 e 1942, mais de quarenta mil judeus da Europa central e cinco mil ciganos (Romanis) também foram forçados a viver no gueto.
As condições eram terríveis. Não havia eletricidade ou água encanada. Dezenas de milhares de judeus morreram de fome e doenças. Na primavera de 1944, o gueto era o último a existir na Polônia. Durante o verão do mesmo ano, os nazistas deportaram os judeus remanescentes, a maior parte deles para ser assassinada em Auschwitz.