Talvez seja a crise existencial em que vivemos como a sociedade do vazio e das aparências das redes sociais, talvez seja a reflexão causada pela pandemia. A verdade é que a psicologia e os profissionais da área nunca estiveram tão presentes em obras de ficção como vemos hoje em dia. Não é preciso ir longe: basta olhar o enorme número de novas produções que trazem psicoterapeutas e psiquiatras como protagonistas.

A AppleTV+ parece gostar especialmente do tema. Depois do sucesso de The Shrink Next Door, inspirada pela história de um terapeuta (Paul Rudd) que se aproveita da fragilidade de seu paciente (Will Ferrell) para roubá-lo, a plataforma lança agora a divertida Shrinking. Criada por Bill Lawrence (coautor de Ted Lasso), traz um psicanalista que apresenta um defeito curioso: é sincero demais. Em vez de seguir as regras da profissão, Jimmy (Jason Segel) diz tudo que lhe vem à cabeça. É uma comédia original e inovadora, com destaque para os colegas assustados com seu comportamento, interpretados por Jessica Williams e o astro Harrison Ford.

O Paciente, da Star+, vai no caminho oposto. Em uma série claustrofóbica que se passa praticamente dentro de um quarto, o médico interpretado por Steve Carell é sequestrado e feito refém por um criminoso que lhe exige a cura para o seu impulso de matar. Mindhunter, da Netflix, também tem uma abordagem ligada ao combate ao crime. Conta a origem da divisão de análise psicológica criada pelo FBI para investigar casos complexos de assassinatos em série – tema que rendeu, entre outros, o clássico O Silêncio dos Inocentes, com Anthony Hopkins.

SUCESSO A série brasileira Sessão de Terapia e a norte-americana Shrinking: problemas dos pacientes discutidos na ficção (Crédito:Divulgação)
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Para o psiquiatra e psicanalista lacaniano Jorge Forbes, esses lançamentos captam o zeitgeist (o espírito do tempo) do momento. “Nessa sociedade em rede, tentamos explicar a subjetividade humana”, explica ele. Para Forbes, o grande tema da atualidade é a saúde mental. “Usamos a expressão no singular, mas existem muitas ‘saúdes mentais’. Isso cria dúvidas na maneira como as pessoas se relacionam. As pesquisas sobre o funcionamento do cérebro e a decodificação do DNA prometeram respostas que não vieram. O público passou a procurá-las em outros lugares, inclusive na ficção.” Como exemplo bem sucedido, Forbes cita a repercussão positiva da série brasileira Sessão de Terapia, inspirada na israelense BeTipul.

É possível descrever um dos momentos em que o cinema se apaixonou pelo tema: foi em dezembro de 1962, quando John Huston dirigiu Montgomery Clift em Freud, Além da Alma, e levou para casa dois Oscars. Desde então, Hollywood nunca mais abandonou os terapeutas e seus casos complicados. Da Família Soprano à Máfia no Divã, sempre que algum personagem precisa refletir sobre sua própria existência, duas poltronas são colocadas frente à frente e a consciência passa a ser dissecada em frente aos olhos do público. Nem Freud escapou. Depois do clássico de Huston, ele só veio a ser retratado novamente em 2012, quando David Cronenberg escalou Viggo Mortensen para o papel do gênio austríaco, no filme Um Método Perigoso. De lá para cá, sua influência tem aparecido tanto nos consultórios quanto diante das câmeras.

Freud vai ao teatro

DRAMA A Última Sessão de Freud: peça questiona a existência de Deus (Crédito:Divulgação)

A palavra “catarse”, uma das expressões mais famosas usadas por Sigmund Freud, veio do teatro grego. Ele acreditava que “encenar” os problemas seria uma forma de resolvê-los. Pois o médico acabou inspirando a ficção nos palcos. A Última Sessão de Freud, peça de Mark St. Germain, em cartaz em São Paulo, é baseada no livro Deus em Questão, de Armand Nicholi Jr., professor de psiquiatria da Harvard Medical School. A história se passa em 1939, em Londres, onde o pai da psicanálise se asilou após deixar a Áustria, pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Ele recebe a visita do poeta C.S. Lewis, e os dois discutem a existência de Deus. Para confirmar a moda, a peça vai virar filme de Hollywood, com Anthony Hopkins no papel principal.