Todo o processo de compra on-line dos produtos domésticos da professora universitária Juliana Pirani, de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, durou algumas horas. “Tinha acabado de me mudar de casa e precisava comprar uma nova máquina de lavar roupas e um secador de cabelos. Abri o site da loja, escolhi os modelos que queria e fiz o pagamento. Ali dizia que eu receberia a lavadora no dia seguinte e o secador no mesmo dia”, conta. A primeira reação dela foi duvidar do prazo estipulado — e não sem razão: no Brasil, o tempo médio de entrega de produtos comprados pela Internet era de 11,8 dias úteis até o ano passado, segundo a consultoria de mercado Ebit/Nielsen. Se for uma mercadoria importada, então, o período entre a compra e o recebimento poderia ser superior a um mês, se não houvesse nenhum problema alfandegário. No entanto, horas depois da compra ser efetivada, naquela manhã, o entregador estava na porta da casa de Juliana com a caixa do secador em mãos. A lavadora chegou na manhã seguinte, quando a aquisição completava 24 horas. “Teria demorado mais se eu tivesse me deslocado até a loja”, calcula ela. O tempo de entrega, ao contrário, foi um critério fundamental na decisão de compra da secretária Kelly Costa, de São Paulo (SP). Com a chegada do inverno, ela buscava há dias por um aquecedor que tivesse um preço atraente e que também chegasse rápido. Embora tivesse se interessado por algumas opções, todas elas tinham prazos maiores de recebimento — até que encontrou um estabelecimento que prometia lhe mandar o equipamento dentro de algumas horas. “Eu comprei no fim da tarde e no outro dia de manhã ele estava em casa”, diz.

Essa rapidez surpreendente tem uma razão comercial: a nova fronteira para o mercado do varejo brasileiro é, literalmente, por quem entrega os produtos no menor tempo possível. O conflito ficou escancarado no final de junho, quando o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) pediu que três gigantes varejistas — Americanas, Mercado Livre e Magalu — mudassem suas propagandas em vigor, que anunciavam, ao mesmo tempo, terem a “entrega mais rápida do Brasil”. Para além da óbvia impossibilidade de que todas tivessem razão, a entidade alegou que as empresas precisariam apresentar pesquisas produzidas por instituições imparciais que comprovassem o argumento dos anúncios. Mais do que isso, exigiu que esses dados também fossem veiculados aos consumidores, permitindo, assim, que eles pudessem confirmar a veracidade das informações. Foi o ápice de uma briga que começou antes, em novembro, quando o Mercado Livre se queixou ao Conar de que a propaganda do Magalu — que já dizia ter a entrega mais rápida do país — não era verídica. A empresa fez a mesma reclamação contra o grupo B2W, que administra a Americanas e o Submarino.

O tempo de entrega passou a ser determinante para as grandes varejistas quando houve um maior equilíbrio entre os preços dos produtos ofertados e, em paralelo, cresceu o volume de itens disponíveis nas lojas online, explica Eduardo Yamashita, COO da consultoria Gouvêa Ecosystem, especializada no varejo. Com isso, a concorrência se deslocou com intensidade para a questão logística. “Toda a estrutura de negócios foi impactada: do status das lojas físicas até o produto ou serviço que é, de fato, vendido. Muitos desses conglomerados já fazem mais dinheiro oferecendo suas estruturas de entrega, e não vendendo produtos”, diz. O fenômeno também pode ser explicado pela expansão de consumidores digitais (13,2 milhões de pessoas fizeram a primeira compra on-line em 2020, segundo a Ebit/Nielsen) e, ao mesmo tempo, pela “comoditização” do varejo, ou seja, quando produtos semelhantes ou idênticos são ofertados por muitas empresas diferentes. “Isso fez com que o diferencial mais relevante se tornasse o prazo de entrega”, explica Luiz Claudio Melo, diretor de supply chain da consultoria 360 Varejo. “Não à toa, foi uma demanda que surgiu de fora para dentro do mercado, isto é, dos consumidores para as empresas.”

CRITÉRIO DE COMPRA Kelly Costa só comprou aquecedor depois de checar prazo de entrega (Crédito:Anna Carolina Negri)

China-Brasil em 7 dias

Um grande exemplo foi dado recentemente pela AliExpress, do gigante conglomerado chinês Alibaba. Até o fim de 2020, os consumidores brasileiros precisavam esperar cerca de dois meses para receber produtos vendidos pela empresa — todos fabricados na China. Em abril deste ano, porém, o prazo diminuiu para 15 dias, dinâmica que durou pouco: foi para 12 em abril e, no mês passado, o tempo de entrega foi diminuído para sete dias úteis no caso de consumidores na cidade de São Paulo. Em outras cidades, além desse intervalo, há ainda um período de cinco dias úteis dado pelos Correios. “Nós estamos assistindo a esse processo da AliExpress realmente impressionados”, revela Yamashita. Para conseguir cumprir com o prazo, a empresa freta cinco voos semanais entre o país asiático e o aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (SP).

O passo mais recente dentro dessa briga, porém, foi dado pelo Magalu: no final de junho, a companhia anunciou que passaria a entregar produtos de até 6 kg comprados na Internet em um intervalo de até uma hora em nove capitais brasileiras e duas cidades do interior — Campina Grande (PB) e Ribeirão Preto (SP). É a entrega mais rápida no Brasil atualmente. Antes, a logística mais veloz era da Americanas, do grupo B2W, que, no Natal de 2020, já prometia fazer chegar itens do seu marketplace na casa dos clientes em até três horas. O esquema da Americanas funciona desde então em todas as capitais do País e em outras cidades espalhadas por sete estados (SP, RJ, ES, MG, RS, BA e PE). O Mercado Livre, outro concorrente de peso pelo tempo dos clientes, entrega produtos no mesmo dia caso a compra seja feita até às 11h. A disponibilidade, porém, está restrita às regiões metropolitanas de São Paulo (SP), Florianópolis (SC) e Salvador (BA).

MESMO DIA Juliana comprou um secador de cabelos pela manhã e o recebeu no fim da tarde (Crédito:Anna Carolina Negri)

Para Luiz Claudio Melo, da 360 Varejo, a briga pela entrega mais rápida é o fenômeno mais relevante do setor nos últimos anos. Primeiro, porque ela modificou o status das lojas físicas, hoje muito mais centros de distribuição do que propriamente pontos de venda. “Isso faz com que os custos não aumentem. Na verdade, se houver escala e um fluxo significativo de estoque, eles podem até cair”, afirma. Em segundo lugar, porque exige que as empresas passem por cima de um antigo desafio do País: superar suas distâncias continentais. Hoje, 80% das entregas do Mercado Livre, por exemplo, são feitas pela própria companhia. “Com as lojas sendo pequenos centros, a questão passa a ser apenas a chamada ‘última milha’, ou seja, o transporte do produto desses locais até a casa das pessoas. Mas é fato que entregar em horas será algo comum muito em breve. Quem não fizer isso, estará fora do jogo”, resume o especialista.

Nos EUA, quem cancela compra pode acabar ficando com o produto

No país onde robôs já entregam mercadorias em algumas cidades, os EUA, 25% dos produtos comprados pela Internet em 2020 foram devolvidos pelos consumidores, segundo a consultoria Magneto. O número alto (foi de 30% no Brasil no mesmo período, segundo a Ebit/Nielsen) faz com que, lá, a disputa seja por outro tempo: o de estorno do dinheiro. Para agilizar o processo, gigantes como o Walmart já oferecem a possibilidade de devolução do valor pago no dia seguinte à postagem do item pelo correio. No entanto, outra prática tem se consolidado no mercado americano desde o início deste ano: o retorno sem que o produto seja devolvido de fato. É o caso da Amazon. A gigante do varejo anunciou em janeiro que, em casos de mercadorias cujo preço de postagem for muito alto, devolverá o valor pago sem exigi-las de volta. O processo dependerá, porém, do histórico do cliente. O mesmo Walmart fez um anúncio parecido: quando a mercadoria que o consumidor desejar devolver não tiver mais valor de revenda — e dependendo ainda de quantas vezes ele quis retornar um produto à loja — terá o dinheiro pago de volta sem que precise enviá-lo pelo correio. Já a Target, uma das gigantes do varejo no país, foi além: vai estornar e orientar seus clientes a doar os produtos indesejados.