14/10/2022 - 9:30
Nunca uma campanha no Brasil tinha chegado a um nível tão baixo. A disputa em um ambiente polarizado entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez o embate político virar um jogo sujo. Muito sujo. Na tentativa de desqualificar o oponente, as campanhas de ambos têm recorrido a ataques baixos, mentiras e publicações fora de contexto, distorcidas ou mesmo difamatórias. A bandalheira começou nas redes sociais, mas já chegou ao horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão. Do ponto de vista dos estrategistas do caos, tem dado certo. Assuntos como um suposto apoio do crime organizado a Lula, ou a ameaça da cassação de pensões e aposentadorias caso Bolsonaro seja eleito, têm deixado muita gente de cabelo em pé.

Uma boa parte dos esforços das campanhas é voltada a desmentir os ataques. Além disso, as equipes jurídicas dos dois candidatos com frequência têm recorrido ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para interromper o fluxo da desinformação. Mas até que os casos específicos entrem no radar da Justiça Eleitoral, quase sempre o estrago já foi feito. As distorções e mentiras sobre os adversários muitas vezes apelam para o medo, uma das emoções mais primitivas do ser humano. Exatamente por essa razão, se espalham como vírus – seja por meio de compartilhamentos nas redes sociais, seja de boca em boca. Textos, vídeos, áudios e imagens relacionados aos candidatos têm circulado à exaustão com os assuntos mais esdrúxulos: Jair Bolsonaro é associado ao canibalismo, à maçonaria e à zoofilia. Lula, por sua vez, é rotulado de cachaceiro, defensor do aborto e paladino das drogas.

Quem dominava essa seara, especialmente nas redes sociais, era o bolsonarismo, mas a difusão dos ataques, que aumentaram do primeiro para o segundo turno da eleição, está cada vez mais equilibrada. No QG bolsonarista, o estrategista da difamação é o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), o filho 02 do presidente, apontado pelo pai como o responsável por sua vitória em 2018. Ele comanda o chamado gabinete do ódio, que nos últimos anos vem servindo ao propósito não só de atacar adversários, mas também instituições democráticas.

Mas o petismo está aprendendo rápido – especialmente desde que o deputado federal André Janones (Avante) subiu no palanque de Lula, no início de agosto. Principal cabo eleitoral do ex-presidente nas redes sociais, Janones tenta convencer que age desvinculado da campanha petista. O partido vai na mesma linha e evita uma associação direta com o deputado, embora objetivamente venha se beneficiando dos ataques de Janones a Bolsonaro.

Um dos assuntos de maior repercussão nos últimos dias foi a associação de Bolsonaro ao canibalismo, veiculada pela campanha petista inclusive no horário eleitoral gratuito. O TSE proibiu a exibição da peça, que reproduzia trechos de uma entrevista antiga de Bolsonaro ao “New York Times” na qual o então deputado federal afirmava estar disposto a comer carne humana – de um indígena morto, num suposto ritual de sua etnia. No vídeo, Bolsonaro afirmou que só não comeu carne humana de um indígena porque “ninguém quis ir” com ele.

Também fez bastante barulho a falsa informação replicada por Janones em suas redes segundo a qual o ex-presidente Fernando Collor será ministro da Previdência caso Bolsonaro seja reeleito – e que ele vai confiscar benefícios como pensões e aposentadorias. Janones apelou para a dissimulação ao comentar a própria publicação: “Vamos alertar o povo sobre os riscos caso isso ocorra”, escreveu. “Não sei a veracidade disso, mas se for verdade, é grave.”

Quanto a Lula, Bolsonaro utilizou suas redes sociais para tentar associar o ex-presidente ao PCC, facção criminosa que disputa com outras organizações a hegemonia nos presídios dominados pelo crime. Ele compartilhou um áudio atribuído a um suposto traficante que comenta a disputa presidencial e diz que o ex-presidente “é o melhor para o crime organizado”. A farsa foi complementada por peças da campanha de Bolsonaro para o horário eleitoral gratuito segundo as quais, no primeiro turno, Lula recebeu o apoio de mais de 90% da população carcerária de várias unidades prisionais.

Bolsonaristas também fizeram circular um vídeo adulterado no qual parece que Lula está dando entrevista embriagado. O material abarca ainda a falácia de que, se o ex-presidente voltar ao poder, vai legalizar “todas as drogas”. Se ainda não há um vencedor definido na disputa pelo Planalto, Bolsonaro e Lula já são vitoriosos pelo menos em um quesito: ambos protagonizam aquela que talvez seja a campanha mais suja da história da democracia brasileira.