Nunca uma campanha no Brasil tinha chegado a um nível tão baixo. A disputa em um ambiente polarizado entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez o embate político virar um jogo sujo. Muito sujo. Na tentativa de desqualificar o oponente, as campanhas de ambos têm recorrido a ataques baixos, mentiras e publicações fora de contexto, distorcidas ou mesmo difamatórias. A bandalheira começou nas redes sociais, mas já chegou ao horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão. Do ponto de vista dos estrategistas do caos, tem dado certo. Assuntos como um suposto apoio do crime organizado a Lula, ou a ameaça da cassação de pensões e aposentadorias caso Bolsonaro seja eleito, têm deixado muita gente de cabelo em pé.

CACHAÇA Para colar em Lula a pecha de “cachaceiro”, circula um vídeo no qual Lula aparenta estar embriagado (Crédito:Divulgação)

Uma boa parte dos esforços das campanhas é voltada a desmentir os ataques. Além disso, as equipes jurídicas dos dois candidatos com frequência têm recorrido ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para interromper o fluxo da desinformação. Mas até que os casos específicos entrem no radar da Justiça Eleitoral, quase sempre o estrago já foi feito. As distorções e mentiras sobre os adversários muitas vezes apelam para o medo, uma das emoções mais primitivas do ser humano. Exatamente por essa razão, se espalham como vírus – seja por meio de compartilhamentos nas redes sociais, seja de boca em boca. Textos, vídeos, áudios e imagens relacionados aos candidatos têm circulado à exaustão com os assuntos mais esdrúxulos: Jair Bolsonaro é associado ao canibalismo, à maçonaria e à zoofilia. Lula, por sua vez, é rotulado de cachaceiro, defensor do aborto e paladino das drogas.

“EX-PRESIDIÁRIO” O TSE mandou tirar do ar uma peça da campanha bolsonarista que chama Lula de “ladrão” e “corrupto” (Crédito:Divulgação)

Quem dominava essa seara, especialmente nas redes sociais, era o bolsonarismo, mas a difusão dos ataques, que aumentaram do primeiro para o segundo turno da eleição, está cada vez mais equilibrada. No QG bolsonarista, o estrategista da difamação é o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), o filho 02 do presidente, apontado pelo pai como o responsável por sua vitória em 2018. Ele comanda o chamado gabinete do ódio, que nos últimos anos vem servindo ao propósito não só de atacar adversários, mas também instituições democráticas.

ELO COM FACÇÃO Bolsonaristas espalharam que Lula tem o apoio de Marcos Camacho, o Marcola, líder do PCC (Crédito:Divulgação)

Mas o petismo está aprendendo rápido – especialmente desde que o deputado federal André Janones (Avante) subiu no palanque de Lula, no início de agosto. Principal cabo eleitoral do ex-presidente nas redes sociais, Janones tenta convencer que age desvinculado da campanha petista. O partido vai na mesma linha e evita uma associação direta com o deputado, embora objetivamente venha se beneficiando dos ataques de Janones a Bolsonaro.

ANDRÉ JANONES Desde que subiu no Palanque de Lula, virou figura fundamental da campanha petista nas redes sociais. Vem conduzindo o partido para um mergulho no esgoto da baixaria e da desinformação (Crédito:Divulgação)

Um dos assuntos de maior repercussão nos últimos dias foi a associação de Bolsonaro ao canibalismo, veiculada pela campanha petista inclusive no horário eleitoral gratuito. O TSE proibiu a exibição da peça, que reproduzia trechos de uma entrevista antiga de Bolsonaro ao “New York Times” na qual o então deputado federal afirmava estar disposto a comer carne humana – de um indígena morto, num suposto ritual de sua etnia. No vídeo, Bolsonaro afirmou que só não comeu carne humana de um indígena porque “ninguém quis ir” com ele.

CONFISCO O deputado compartilhou a falsa informação de que o ex-presidente Collor vai ser ministro de Bolsonaro e confiscar aposentadorias (Crédito:Divulgação)

Também fez bastante barulho a falsa informação replicada por Janones em suas redes segundo a qual o ex-presidente Fernando Collor será ministro da Previdência caso Bolsonaro seja reeleito – e que ele vai confiscar benefícios como pensões e aposentadorias. Janones apelou para a dissimulação ao comentar a própria publicação: “Vamos alertar o povo sobre os riscos caso isso ocorra”, escreveu. “Não sei a veracidade disso, mas se for verdade, é grave.”

“CANIBAL” O TSE proibiu a veiculação de trechos da entrevista na qual Bolsonaro teria dito que comeria carne humana “sem problema nenhum” (Crédito:Divulgação)

Quanto a Lula, Bolsonaro utilizou suas redes sociais para tentar associar o ex-presidente ao PCC, facção criminosa que disputa com outras organizações a hegemonia nos presídios dominados pelo crime. Ele compartilhou um áudio atribuído a um suposto traficante que comenta a disputa presidencial e diz que o ex-presidente “é o melhor para o crime organizado”. A farsa foi complementada por peças da campanha de Bolsonaro para o horário eleitoral gratuito segundo as quais, no primeiro turno, Lula recebeu o apoio de mais de 90% da população carcerária de várias unidades prisionais.

CONTRA CATÓLICOS Circulou nos últimos dias um falso post de Bolsonaro no qual ele se comprometeria a acabar com o feriado de Nossa Senhora Aparecida (Crédito:Divulgação)

Bolsonaristas também fizeram circular um vídeo adulterado no qual parece que Lula está dando entrevista embriagado. O material abarca ainda a falácia de que, se o ex-presidente voltar ao poder, vai legalizar “todas as drogas”. Se ainda não há um vencedor definido na disputa pelo Planalto, Bolsonaro e Lula já são vitoriosos pelo menos em um quesito: ambos protagonizam aquela que talvez seja a campanha mais suja da história da democracia brasileira.