Com o respaldo da Advocacia-Geral da União (AGU), o Ibama acaba de dar um decisivo passo na retomada de sua função institucional de proteger o meio ambiente e garantir a sustentabilidade no uso de recursos naturais. A autarquia vai dar andamento à cobrança de R$ 29,1 bilhões em multas ambientais, relativas a 183 mil autos de infração, que havia sido suspensa durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). O advogado-geral da União, Jorge Messias, encerrou, assim, uma controvérsia surgida em março do ano passado, quando o então presidente do Ibama Eduardo Bim determinou que fossem invalidadas as penalidades aplicadas nos casos em que os infratores tivessem sido notificados por meio de edital para a apresentação de suas alegações finais. Na prática, o governo anterior criou um truque jurídico para tornar sem efeito cerca de 80% dos processos por violação da legislação ambiental abertos no Ibama.

A AGU apenas está cumprindo seu papel ao garantir segurança jurídica para que o Ibama responsabilize os infratores. O valor simbólico da medida, no entanto, vai muito além: representa a reversão de uma política de governo de um presidente que ainda antes da posse prometeu “acabar com a indústria da multa”. “Não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto e a direito por aí, essa festa vai acabar”, anunciou Bolsonaro em dezembro de 2018. A rigor, o que ele queria era começar a própria festa de devastação. Relatório do Observatório do Clima (OC) publicado na segunda-feira 27 demonstra que, na Amazônia, a média anual de multas do governo Bolsonaro por desmatamanto e crimes contra a flora, que era de 5.069 nos governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), caiu para 3.146. Ainda de acordo com o documento, o aumento de 59,5% no desmate da Amazônia nos quatro anos de bolsonarismo coincide com uma queda de 38% das multas aplicadas pelo Ibama por crimes contra a flora em comparação com o período anterior.

MEDIÇÃO Fiscal inspeciona árvore extraída ilegalmente de reserva no Pará: retorno à normalidade (Crédito:Ueslei Marcelino )

“Eu garanto que na área ambiental acabou o tempo da impunidade” Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama

A primeira atitude recente do Ibama no cumprimento da legislação, depois da letargia que lhe foi imposta, foi a deflagração, em fevereiro, da operação de combate ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Cerca de 20 mil garimpeiros atuavam sem ser importunados (eram até estimulados) na extração ilegal de ouro, o que vinha resultando na contaminação dos rios pelo mercúrio utilizado no processo — e no consequente adoecimento da população indígena da região. Até o dia 14 de março, a operação, realizada em conjunto com Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Forças Armadas, Força Nacional de Segurança e Funai, havia apreendido ou inutilizado 84 balsas e embarcações, destruído oito aeronaves e mais de 220 acampamentos de garimpeiros. Nos 73 primeiros dias do governo Lula, as autuações ambientais relacionadas ao desmatamento e outros ilícitos contra a floresta aumentaram 169% quando cotejadas com a média da política predatória de Bolsonaro. O Ibama vinha passando por um processo de sucateamento. Estrangulado em termos orçamentários, sofreu importante redução no número de servidores — dos 2.364 cargos de analista ambiental, 956 estão vagos, o que equivale a 40%. Em 2019, o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (o da porteira) atribuiu o aumento das queimadas e do desmatamento à redução gradativa no número de fiscais ambientais — mas, ainda assim, a sua gestão cruzou os braços e nada fez para preencher as vagas ociosas.

DIREÇÃO Indicado por Marina Silva, o biólogo Rodrigo Agostinho está à frente do comando do Ibama: corrida contra o prejuízo do passado (Crédito:Amanda Perobelli )

A autarquia acaba de receber no governo Lula autorização para a realização de concurso público — o último processo seletivo deu-se em 2012. Por ora, todo o trabalho de fiscalização do Ibama vem sendo realizado por esse quadro reduzido de fiscais. Mas faz muita diferença para esses profissionais contar com o respaldo da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva — em contraste com o que ocorria, quando servidores eram perseguidos por tentar fazer cumprir a lei e chegaram a ser criticados publicamente por Salles. “A paralisia no Ibama não ocorreu por falta de recursos, mas, sim, por sabotagem do funcionamento normal do órgão e perseguição a agentes”, conclui o relatório do Observatório do Clima. Basta lembrar do que aconteceu com José Augusto Morelli, o fiscal do Ibama que multou Jair Bolsonaro em Angra dos Reis em 2012 por pesca irregular — acabou demitido do cargo de chefia que ocupava à época.