27/05/2022 - 9:30
Um dos principais expoentes do escárnio bolsonarista, Daniel Silveira chegou à Câmara com o caminho pavimentado por uma campanha moldada por episódios de truculência. O ex-policial militar ganhou notoriedade em 2018 ao ajudar a quebrar uma placa de rua feita em homenagem a Marielle Franco, assassinada naquele ano. O desrespeito à memória da vereadora, contudo, era apenas um demonstrativo da instabilidade do parlamentar. Em quase quatro anos de mandato, Silveira demonstrou que pode ir muito além ao ameaçar instituições democráticas.
O comportamento não é apenas incentivado, como resguardado, pelo presidente da República, que vê em Silveira um aliado que serve a duas funções: inflar a claque ideológica e desafiar um de seus principais algozes, o ministro Alexandre de Moraes. Sob as asas de Bolsonaro, o deputado vale-se da certeza da impunidade para achincalhar. É o que fez no último final de semana, quando, em uma motociata em apoio ao padrinho político, no Rio, revelou não usar mais tornozeleira eletrônica em razão do indulto e disse que o Supremo Tribunal Federal nada poderia fazer. “Quando o Judiciário tem o perdão presidencial, é meramente declaratório o reconhecimento”, disparou, sinalizando não temer uma nova prisão.

Apologia à ditadura
Apesar da apologia ao AI-5, da defesa da destituição de membros do STF e do incentivo a agressões físicas contra ministros, Silveira recebeu a graça presidencial em 21 de abril, um dia após a Corte condená-lo a mais de 8 anos de prisão e ao pagamento de multa, além de determinar a cassação do mandato e dos direitos políticos dele. A investida, porém, foi contestada por partidos de oposição. Como o tribunal ainda não analisou a constitucionalidade do indulto, Moraes, relator da investigação que mirou o deputado, entende que ele ainda não tem efeitos práticos e, assim, mantém as medidas cautelares impostas a Silveira. Em resposta, o parlamentar tem ignorado as restrições e, por isso, já acumula multas em um total de R$ 645 mil e teve os bens bloqueados.

O embate deve se arrastar. No Supremo, por ora, a avaliação é a de que o caso Daniel Silveira deve ser analisado apenas após o recesso do Judiciário, que termina em 31 de julho. É uma forma de arrefecer a crise. O desfecho, no entanto, está costurado. O tribunal tende a acatar o perdão ao deputado na esfera penal, deixar a cassação nas mãos da Câmara, onde o processo não vai andar, segundo sinalizou Arthur Lira a governistas, e manter a suspensão dos direitos políticos do congressista, minando os planos do PTB de lançá-lo ao Senado nas eleições deste ano.
Apesar do cenário traçado, para manter a rivalidade com as cortes superiores pulsante, Silveira e o PTB podem tentar registrar a candidatura dele a partir de julho, quando começam as convenções partidárias. Nesse caso, o Tribunal Superior Eleitoral, a quem cabe avaliar se um postulante a cargo eletivo se enquadra nas restrições da Lei da Ficha Limpa, se debruçará sobre o caso. Na Corte, é dado como certo que o deputado não concorrerá em outubro, já que o indulto presidencial não tem o poder de afastar a inelegibilidade. Ao ter a participação nas eleições barradas, Silveira será transformado em um herói pelo bolsonarismo, embora sua trajetória nada tenha a mais do que insubordinação e baixa produtividade. Por isso, ele só busca os holofotes para mobilizar o extremismo bolsonarista.

Daniel Silveira, deputado, ao zombar do STF que determinou a monitoração eletrônica
Antes de ser algemado e preso, em fevereiro de 2021, Silveira declarou, em vídeo, que Moraes havia entrado “em uma queda de braço que não pode vencer” e vangloriou-se de ter sido preso “mais de 90 vezes” enquanto era PM. Bolsonaro tem se empenhado em concretizar a ameaça. Diante do imbróglio, o Supremo enfrenta o desafio de, amarrado pelo indulto presidencial, impor uma punição ao deputado, ao menos o enxotando do processo eleitoral e mantendo uma multa pedagógica, para, assim, evitar que o caso abra um precedente para livrar da lei os bolsonaristas engajados na milícia digital do presidente da República.