03/06/2022 - 9:30
Ruben Ostlund não é francês, mas o apelido “Monsieur Cannes”, recebido na última edição do festival, é mais que merecido. Ao ser premiado com a Palma de Ouro por Triangle of Sadness (Triângulo da Tristeza), ele entra para o seleto time dos cineastas duplamente consagrados, lista que deixa de fora lendas como Federico Fellini e Martin Scorsese. Ostlund atingiu também outra marca notável: desde seu primeiro longa, em 2005, todos os seus filmes foram selecionados para Cannes, fato único desde a inauguração do evento, em 1946, há 75 anos.
Outro apelido francês que cabe nesse sueco de 48 anos é “agent provocateur”, termo que designa as personalidades que costumam provocar agitação cultural. É impossível ficar indiferente aos seus filmes, ácidos manifestos sobre o comportamento humano, assim como é inevitável não se colocar na situação vividas por seus personagens ou imaginar qual a reação que se teria diante dos cenários propostos.

Triangle of Sadness não é diferente. A história começa em um restaurante, onde um casal de modelos discute quem deve pagar a conta. O alvo é o universo da moda e o papel da beleza nas relações sociais, mas, principalmente, como nossa conduta é afetada por questões econômicas. Esse mundo traz uma singularidade interessante: as modelos femininas costumam ganhar pelo menos três vezes mais que os homensNesse contexto, faz sentido o homem pagar a conta do restaurante? A segunda parte traz uma sátira do capitalismo, representado pelo comportamento mimado de um grupo de bilionários em um cruzeiro. O problema é que o navio naufraga: em uma ilha deserta, os papéis dos super-ricos e da tripulação se invertem – e aí vemos o que é realmente essencial à vida.

Ostlund já havia criado polêmica em seu filme anterior, The Square: A Arte da Discórdia, premiado com a Palma de Ouro em 2017. Em vez da moda, a vítima aqui é o mundo das galerias e dos poderosos marchands, que determinam o que é arte e qual o seu valor. A primeira vez que o sueco chamou a atenção foi em 2014, quando Força Maior levou o prêmio do júri. Sua trama, mais uma vez, mexia com reações humanas diante de episódios que chegam ao limite: em resort de esqui, um casal se vê ameaçado por uma avalanche. Ao perceber o perigo, o marido desce a montanha em alta velocidade, abandonando a mulher para trás – o inesperado é que ela sobrevive. Covardia ou instinto de sobrevivência? A resposta pode não ser tão simples, mas o fato certamente abala o relacionamento.
Na coletiva de Triangle of Sadness em Cannes, da qual ISTOÉ participou, Ostlund afirmou que seus últimos três filmes compõem uma “trilogia do comportamento”. O diretor confessou que gosta de colocar seus personagens em zonas de desconforto. “Eu me interesso por situações em que há uma certa expectativa em relação à forma como devemos nos comportar, mas que não sabemos exatamente se ela é a maneira adequada”, disse. Há um forte componente político em sua obra, geralmente crítico do capitalismo. Em uma cena marcante de Triangle of Sadness, um oligarca russo discute com o capitão do navio, um norte-americano. O provocador cineasta, no entanto, inverte os papéis: enquanto o bilionário Dimitry (Zlatko Buric) critica o comunismo, Thomas Smith (Woody Harrelson) idealiza a igualdade entre as classes. Ambos estão errados em seu maniqueísmo perverso – e é exatamente esse tipo contradição que Ostlund adora expor.
ENTREVISTA
Ruben Ostlund, diretor
“Todos os filmes mudam o mundo”
O que significa o título do seu filme, Triangle of Sadness (Triângulo da Tristeza)?
É um termo usado pela indústria da moda para designar a região do rosto que fica entre as sobrancelhas. “Elimino essa tristeza em 15 minutos”, dizem os cirurgiões plásticos. É uma metáfora para nossa obsessão pela beleza, quando aspectos interiores são secundários.
Por que quis abordar esse universo?
Comecei a conviver com o mundo da moda em 2018, quando desenvovi uma linha para uma pequena marca sueca. Minha mulher, Sia, é fotógrafa. Achei interessante o fato de que, nesse mercado, os homens ganham apenas cerca de 30% dos valores pagos às mulheres. Nesse mundo, um modelo masculino sente na pele o que uma mulher sofre em relação aos outros setores da sociedade.
Quis mostrar que a beleza tem um valor financeiro, na moda e no mundo real?
Exatamente. A beleza afeta diretamente todas as nossas relações sociais. Ela gera uma desigualdade permanente. Por outro lado, pode ser uma poderosa forma de ascensão social. Seu cinema, mais uma vez, aborda o lado sociológico de um tema bem específico.Meu ponto de partida é sempre o comportamento humano. A moda é nossa camuflagem, usamos a roupa para desaparecer dentro do grupo social ao qual queremos pertencer.
O cinema influencia a sociedade?
Todos os filmes mudam o mundo. Quem pensa de outra maneira está totalmente errado. Para o bem ou para o mal, temos de estar atentos às consequências que essa forma de expressão cultural pode criar.
Seus filmes são reflexões sobre o papel dos homens na sociedade moderna?
Sim. Meus protagonistas aprendem a diferença entre quem são e o que é esperado deles. Coloco os personagens em armadilhas para ver como se comportam. E então penso: “o que eu faria nessa situação?” Se a resposta for simples, a história não me interessa. Mas se for complexa, decido fazer um filme.