O ChatGPT é o maior fenômeno tecnológico da virada do ano. É um programa de Inteligência Artificial criado pela empresa americana OpenAI. Trata-se de um robô que escreve textos sobre qualquer assunto. Qualquer assunto mesmo. O grande pulo do gato dado pela empresa é oferecer gratuitamente o contato direto do usuário com a máquina através de uma interface simpática e muito simples. A pessoa entra no site, se cadastra e vai para uma tela de chat que tem apenas os campos alternados para a conversa da pessoa com o ChatGPT. Ali é possível formular uma pergunta em qualquer idioma e receber uma resposta imediata na mesma língua. “Quem é o Batman?” “Explique em 1.000 palavras o que é a física quântica.” “Escreva um soneto de amor para uma garota chamada Maria.” Qualquer um desses pedidos receberá de volta uma mensagem muito além de um texto robótico, de linguajar técnico e enxuto. Tudo vem em uma forma coloquial, como se realmente uma pessoa estivesse conversando com o usuário. Os recursos da ferramenta parecem infinitos. É possível, por exemplo, pedir uma explicação sobre como funciona o mercado imobiliário e, uma vez esse texto exibido na tela, pedir então que o ChatGPT o refaça para que seja compreendido por uma criança de oito anos. Imediatamente, uma versão simplificada e ainda muito boa do texto vai aparecer na tela.

“O Google tem uma vantagem, a informação que é renovada. Sem atualização, o ontem do ChatGPT é 2021” Fernando Osório, professor da USP de São Carlos (Crédito:Divulgação)

A OpenAI, empresa que tem entre seus investidores a Microsoft e o bilionário Elon Musk, pretende monetizar o ChatGPT, passando a cobrar uma mensalidade. Disponibilizada no site chat.openai.com desde 30 de novembro, a utilização da ferramenta ficou bem difícil nas duas últimas semanas. A grande instabilidade no site vem de milhões e milhões de pessoas tentando entrar. A empresa corre para melhorar a qualidade da conexão, mas enquanto isso, nos momentos de congestionamento mundial, aparece mensagem para a pessoa deixar seu e-mail. Assim que houver disponibilidade no servidor, o usuário é avisado de que poderá entrar. A reportagem testou e o recurso funcionou.

Nem é preciso debater muito as vantagens que essa inovação traz. Cada pessoa passa a ter um robô que sabe tudo, responde sobre qualquer assunto e pode ajudá-la em todas as áreas do conhecimento. Tecnicamente falando, o ChatGPT não cria textos, ele percorre numa velocidade espantosa todas as publicações na internet sobre um determinado assunto, organiza as informações essenciais e utiliza as construções gramaticais que também estão disponíveis em milhões e milhões de textos na rede. O resultado é um texto inédito. A aparição do ChatGPT assusta o Google. A consagrada ferramenta de busca apenas dá ao usuário links de sites com as informações que ele procura. O novo programa pula essa etapa, vai direto aos sites e já organiza as informações. Aí entra mais uma vez a esperteza de quem criou essa interface com o usuário. Tecnicamente, a resposta poderia aparecer na tela imediatamente, mas o ChatGPT fornece os textos que aparecem digitados uma linha depois da outra, aos poucos, para dar a impressão ao usuário que existe uma pessoa do outro lado digitando aquilo.

Com bom humor

Outro diferencial: o programa é capaz de dar humor aos textos. Uma pessoa pediu a redação para um e-mail que explicasse aos colegas que ela estava deixando o trabalho presencial e passando a exercer suas funções em home office. O texto enviado pelo robô ficou bom, mas o usuário pediu algo mais engraçado. E o resultado veio de forma surpreendente. A máquina conseguiu criar piadas dentro desta mensagem, do tipo “Estou cansado de ver a cara de vocês, então vou trabalhar sozinho” e “Agora vou poder ficar o dia inteiro trabalhando de pijama”.

Se é fácil entender o que o ChatGPT tem de bom, é mais complexo compreender tudo que ele pode ter de negativo. Sobre a questão ética, o maior efeito nocivo dele é sem dúvida em relação a trabalhos acadêmicos. Se muitos estudantes já abusavam do “Ctrl C + Ctrl V” para elaborar trabalhos pedidos pelos professores, com o ChatGPT eles podem obter um texto coloquial e inédito. Como a ferramenta já estava disponível no ambiente universitário americano desde o meio do ano passado, para testes, professores já identificaram alunos que confessaram ter usado a ferramenta. Pode haver necessidade de voltar às provas orais nas escolas, única forma de saber se realmente o aluno assimilou conhecimento.

PARCERIA O roteirista Dagomir Marquezi propõe que autores trabalhem com o ChatGPT, desde que avisem que a obra foi feita dessa forma (Crédito:Keiny Andrade)

Fernando Osório, professor da USP de São Carlos, com doutorado na área de Inteligência Artificial na França, tem críticas ao ChatGPT. “Ele não cria realmente nada, ele se inspira naquilo que aprendeu de uma coleção gigantesca de textos que foram analisados previamente. Tem essa interface de uso muito fácil e que gera textos com uma qualidade muito sofisticada, difícil de ser diferenciado de um texto produzido por uma pessoa.” O professor destaca uma deficiência dele na comparação com o buscador mais utilizado na rede. “O Google é atualizado, enquanto o ChatGPT usa hoje uma base de dados que é de 2021. Então, se eu perguntar quem é o presidente do Brasil, ele não sabe que houve eleições. O Google não, é atualizado, porque a sistemática é diferente, é um buscador, enquanto o ChatGPT é um gerador de texto baseado em arquivos que ele analisou. Não tem como, na tecnologia atual, treiná-lo o tempo todo. Se perguntarem para o ChatGPT as notícias de ontem, ele não responde corretamente. O ontem dele foi em 2021.”

Na literatura, o programa pode escrever livros inteiros e até adotar estilo semelhante ao de autores como Ernest Hemingway ou Colleen Hoover. Para Osório, “uma ferramenta desse tipo, que também tem geração de imagens, ameaça um profissional, seja escritor ou ilustrador. Você consegue gerar por um custo zero imagens e textos de altíssima qualidade, com valor comercial.“

AMEAÇA O designer Marcos Smirkoff vê programadores com menos espaço no mercado com o avanço do ChatGPT (Crédito:Keiny Andrade)

Estreia no teatro

O escritor e roteirista Dagomir Marquezi se diz um entusiasta do uso de tecnologia. “A Inteligência Artificial é uma parceira que nunca reclama e nunca sente sono.” Ele afirma encarar ferramentas tecnológicas tentando aprender com elas. “Em 2021, estreou em Praga a primeira peça escrita por Inteligência Artificial. Li uns trechos. Era uma peça confusa, trocava personagens, tinha momentos sem lógica. Mas garanto que era mais livre do que qualquer um de nós, humanos, que carregamos preconceitos, bloqueios, a necessidade de aceitação e limites ideológicos. O caminho mais certo para os escritores me parece que vai ser trabalhar em parceria com os programas de IA. Fazer uma tabelinha criativa com eles.” Ele não vê problemas na comercialização de obras feitas assim, “desde que fique clara a utilização da ferramenta.”

SIMPLICIDADE A interface do ChatGPT, abaixo, não passa de linhas de texto numa caixa de diálogo, sem requinte visual (Crédito:Divulgação)

Marcos Smirkoff, designer gráfico que trabalha com modelos 3D na empresa Vetor Zero, conta sua experiência com Inteligência Artificial. “Fui atrás de coisas que não são ilustrações no ChatGPT, como roteiros e programações. E é aí que eu fiquei bem assustado. Na modelagem 3D, necessito de ferramentas dentro de um programa chamado Blender. Como estou numa empresa com programadores, peço para eles criarem. Com o ChatGPT, pude pedir assim: ‘Escreva um programa em linguagem Python para Blender. Preciso que ele faça isso e aquilo.’ E o negócio funcionou!” Ele diz que ficou preocupado com os programadores. “Esses caras investiram um pedação da vida profissional deles aprendendo a fazer isso, e aí chega um programa que faz a mesma coisa, e mais rápido.”

*Colaborou Duda Ventura, estagiária sob supervisão de Thales de Menezes