Transição de governo

Os caminhos para o poder em Brasília têm atalhos e a escalação para a Esplanada na gestão Lula deve refletir um deles, estampando o quão vantajoso pode ser para neófitos disputar as eleições na suplência. O petista quer levar para o alto escalão uma cota de senadores eleitos. Para assumir os postos, os congressistas se licenciarão dos mandatos, cedendo os assentos a seus “reservas”. O troca-troca tende a causar dores de cabeça ao futuro presidente. É que, na “linha de sucessão” de seus principais aliados, há nomes sem traquejo político, afeitos à mudança de espectro ideológico por conveniência e até mesmo potenciais lideranças da oposição. Não à toa, a lista de senadores-ministeriáveis está sendo cuidadosamente analisada pelo QG de transição em uma operação para minimizar danos à base lulista no Salão Azul, que a partir do ano que vem estará recheado por expoentes do bolsonarismo.

A relação de senadores candidatos à Esplanada dos Ministérios é extensa. Wellington Dias está entre os nomes dados como “certos” para o governo. O assento dele no Senado será ocupado pela estreante Jussara Lima. Filiada ao PT, a socióloga já passou por PSD e PTB. Jamais concorreu a um cargo majoritário. Antes de ser eleita suplente de Dias, aliás, ela havia testado as urnas somente na disputa pela vice-prefeitura do município de Fronteiras, mas saiu derrotada. Ela é esposa do deputado Julio Cesar — o parlamentar passou os últimos quatro anos alinhado a Bolsonaro, votando a favor até de propostas polêmicas, como a PEC do Voto Impresso.

Lucio Bernardo Jr/Câmara dos Deputados; Reprodução; Jefferson Rudy/Agência Senado; Ricardo Stuckert; Reprodução; Reprodução; Edilson Rodrigues/Agência Senado; Reprodução

Integrantes da velha guarda do PT explicam que o problema na substituição está na diferença de cacife político entre Jussara e Dias. Filiado ao partido há 37 anos, ele ocupou postos-chave, como o de senador entre 2011 e 2014 e de governador por quatro mandatos. A experiência lhe rendeu um bom trânsito entre autoridades e capacidade de articulação — Lula, aliás, estampou a confiança no correligionário ao, na largada da transição, colocá-lo na chefia da negociação sobre o Orçamento. “À exceção dos nomes feitos na onda bolsonarista, o Senado costuma ter nomes especializados na ‘arte de fazer política’, com uma preparação de muitos anos. Os suplentes, ainda que sejam do mesmo partido, ficam muito aquém do perfil geral”, diz um petista, sob reserva.

O caso é similar ao de Flávio Dino, que tem como suplente a vice-prefeita de Pinheiro, Ana Paula Lobato. O pessebista, porém, está em um momento de reflexão. É que Lula pretende desmembrar o Ministério da Justiça e Segurança Pública e colocá-lo na chefia de uma das duas pastas. Faltou combinar com os russos. Dino confidenciou a colegas que não gostaria de assumir nessas condições. A ponderação faz sentido. Com a divisão, se comandar a Justiça, ele concentrará poderes esvaziados, porque não terá ascendência sobre instituições-chave, como a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal. Se ficar na Segurança, perde a função de articular junto ao Judiciário. Diante da insatisfação e da briga que se instalou nos bastidores, ninguém descarta um recuo do presidente eleito. Ele o fez em 2002, quando desistiu da separação após uma intervenção de Márcio Thomaz Bastos, um de seus principais aliados à época.

Para atrair novas alianças, Lula ainda pode abrir espaço para senadores que participaram da campanha, embora seus partidos não tenham integrado a coligação. Renan Calheiros, por exemplo, diz que seu primogênito, Renan Filho, daria um “excelente” ministro do Desenvolvimento Regional — a pasta tem, sob seu guarda-chuva, programas estratégicos, como o Casa Verde e Amarela, que será rebatizado como Minha Casa, Minha Vida. O cacique do MDB e seu grupo frisam que a sigla, por ora, está sem espaço no primeiro escalão, uma vez que Simone Tebet é da “cota pessoal” do presidente eleito.
Caso Renan Filho ganhe um ministério, será substituído por Fernando Farias, empresário do Grupo Carlos Lyra e proprietário do Shopping da Vila, em Delmiro Gouveia, no sertão alagoano. O executivo sempre teve voz nos bastidores, mas estreou nas urnas neste ano. E contribuiu financeiramente — doou R$ 350 mil para a campanha do emedebista. Discreto, Farias não tem perfil nas redes sociais, tampouco expressou sua preferência na disputa entre Lula e Bolsonaro.

É Carlos Fávaro, porém, a principal preocupação do QG lulista. A eventual nomeação dele para o Ministério da Agricultura, embora bem recebida por expoentes do setor, resultaria na ampliação da ala bolsonarista no Senado. A suplente do congressista é Margareth Gettert Buzetti, uma admiradora do capitão. A empresária organizou eventos de campanha do presidente e foi às urnas vestida de verde e amarelo, com um adesivo de Bolsonaro. “Defendo a liberdade econômica e de pensamento. Só com um setor produtivo forte e respeitado teremos garantias reais de emprego e renda”, anotou. O imbróglio mostra que Lula tem uma missão árdua: garantir prestígio a quem o ajudou a se eleger, sem inviabilizar a gestão ou fortalecer seu principal adversário político, que quer voltar à cena em 2026.