22/12/2022 - 9:30
Domingo, 18 de dezembro de 2022, representa “um ponto de virada na história”. Essa foi a definição do primeiro-ministro, Fumio Kishida, para o dia em que diretrizes da política de segurança do Japão passaram por uma verdadeira revolução. Na teoria, manteve-se o artigo 9º da Constituição de 1947, que proíbe as Forças Armadas de atacar, mas agora se permite que elas sejam acionadas em “modo ataque” para a defesa do país. Um jogo de palavras alterou a Estratégia de Segurança Nacional, permitindo ao Japão atacar “preventivamente” e, assim, atingir alvos em território inimigo, impedindo o lançamento de mísseis, por exemplo, no caso de se sentir ameaçado. Esse ataque, agora, é reconhecido como autodefesa.
“O Japão não é um país pacífico, mas pacifista. É favorável a negociações, mas uma parte militar se faz presente. Agora, se mostra mais ativo com relação à segurança, mas sem deixar de lado a pacificidade”, observa Bárbara Dantas Mendes, mestre em Estudos Japoneses e pesquisadora do Grupo Ásia-Pacífico do NUPRI-USP. “É uma atitude que vem sendo trabalhada desde 2013. O exministro Shinzo Abe, com quatro mandatos entre 2006 e 2020, definiu-a como ‘pacifismo pró-ativo’. Não é uma política de governo, e sim de Estado.”
Com a reviravolta na política de segurança, serão disponibilizados US$ 315 bilhões para defesa ao longo de cinco anos — a partir de 2023, com a meta de dobrar os gastos anuais de 1% do PIB para 2% até o fim do ano fiscal de 2027. No ano que vem, dos US$ 49 bilhões previstos, cerca de US$ 30 bilhões irão para a compra de mísseis standoff, que estendem o alcance das forças de autodefesa, e para mísseis de cruzeiro médios, que atingem alvos a até 1.600 km.
População japonesa não quer mais gastos com armas, ainda mais se forem acompanhados de aumento de impostos
Proporcionalmente, observa Bárbara, esse montante nem é muito, se tomado dentro do gigantesco PIB de US$ 4,9 trilhões (cerca de R$ 26 trilhões), como terceira economia do mundo. Os EUA, a primeira (à frente da China), colocam nada menos que 30% de seu PIB em defesa, segundo a pesquisadora. De toda forma, a quantia prevista pelo Japão para autodefesa, por cinco anos, equivale à soma total dos países membros da OTAN em 2021, que estão em alerta com a guerra na Ucrânia — um montante da ordem de US$ 300 bilhões.
No fogo-cruzado
Essa mudança, o Japão alega, é necessária pelo aumento de riscos na região. O líder chinês Xi Jinping foi reeleito por cinco anos, e ele tem planos de expansão territorial. A pressão sobre Taiwan, que a China considera seu território, resultou em cinco mísseis chineses caindo em águas japonesas. As ilhotas Senkaku (Diaoyu, em mandarim), sob controle japonês, são reivindicadas pelos chineses. Para o governo Kishida, a defesa antimísseis se tornou insuficiente em um ambiente que fica cada vez mais complicado, envolvendo norte-coreanos, russos, chineses, taiwaneses — e americanos.

Há outras justificativas, como os mísseis da Coreia do Norte que passam por cima do Japão (o líder Kim Jong-un diz serem apenas “testes para desenvolvimento de um satélite de reconhecimento”). Até a guerra da Ucrânia entrou na lista de ameaças na região: se a China fizer valer seu apoio à Rússia, até agora velado, os EUA responderiam a partir das bases que mantêm na ilha de Okinawa, ficando o Japão no fogo-cruzado. Mas os japoneses dizem que a ameaça maior, de fato, é a China, fazendo coro aos EUA, que têm essa potência como “inimiga número 1”.
Os americanos saudaram a mudança na política de segurança japonesa, encarada como um “passo ousado e histórico para ajudar a manter a paz no Indo-Pacífico” e que deverá reformular as Diretrizes de Cooperação de Defesa entre os dois países, revisada em 2013. “Essa atitude mais participativa do Japão já era esperada pelos EUA, que pretendem uma contraposição ao aumento da presença chinesa. Mas não é porque agora tem possibilidade, que o Japão irá atacar primeiro”, diz Bárbara. “Naquela região, de ‘instabilidade estável’, como se diz, são estreitas e fortes as relações econômicas entre países, e inclusive vitais, para Japão e China.”
A China criticou a nova política de defesa do governo Kishida, que “desvia de seu compromisso e de relações e entendimentos comuns”. E não foi só ela. Dentro do próprio Partido Liberal Democrático há oposição pelo aumento da dívida pública. A população, em sua maioria contrária a gastos com armamentos por princípio, reagiu de imediato — ainda mais com o primeiro-ministro adiantando que vai aumentar impostos.