14/04/2022 - 9:30

As privatizações e a reforma do Estado foram temas-chaves na conquista do apoio do mercado para a campanha que levou Jair Bolsonaro à Presidência. Porém, desde que assumiu o comando do País, a equipe de seu ministro Paulo Guedes não conseguiu avançar nessa agenda, nem mesmo na desestatização dos Correios. O único troféu nessa área, a capitalização da Eletrobras, virou um arremedo de desestatização que apenas favoreceu interesses paroquiais escusos do Centrão e também foi empurrada para as calendas. O mesmo aconteceu com as concessões de aeroportos importantes como o Santos Dumont e o Galeão, que voltaram à estaca zero: se realizadas, serviriam de vitrine para a campanha presidencial de Bolsonaro neste ano.
Tão urgentes quanto as privatizações, as Reformas Tributária e Administrativa também ficaram na gaveta. Dado o adiantado do calendário eleitoral, nos últimos dias Bolsonaro reconheceu o óbvio: disse que será difícil aprovar reformas estruturantes em 2022, em entrevista ao jornal paraense O Liberal. “Isso foi uma satisfação ao mercado, que o apoiou nas eleições passadas. É um sinal de que no próximo ano, se eleito, continuará seu projeto inicial”, diz Igor Venceslau, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).

Bandeira eleitoral
As privatizações continuam, sim, uma bandeira para manter o apoio do mercado. É o que vem demonstrando o candidato do presidente ao governo paulista, o ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), ao apostar nelas como grande ativo de campanha. Elas renderiam, nas contas dele, R$ 54 bilhões, que viriam da iniciativa privada. “Um projeto como esse deve ser justificado pelo aumento da eficiência da empresa pública”, diz Venceslau. Foi o que fez o governo de Fernando Henrique Cardoso quando privatizou a Telebras, em 1998. “Quando o governo dá a entender que pretende se livrar da empresa para diminuir o tamanho do Estado apenas para fazer caixa, ele desqualifica o negócio no mercado.”
No início do atual governo, o ministro Paulo Guedes tinha na mira 90 estatais. Responsável pela entrega de 75% de todo o e-commerce em território nacional, os Correios faziam parte do cestão de estatais. Trata-se de uma empresa importante para o varejo e com sindicato forte e atuante. Mesmo assim o projeto para a privatização foi encomendado e entregue pelo BNDES em apenas sete meses. “Ele tem brechas e poderia ser apontado como um processo inconstitucional. Chegou a ser aprovado na Câmara e estacionou no Senado”, diz Venceslau, autor do livro Correios: como a privatização fere o Brasil, que foi convidado a uma audiência pública que nunca aconteceu. “Ainda bem que essa privatização não aconteceu nessas bases.”
“Bolsonaro não avança em projetos mais críticos, que exijam habilidade política”, diz Joelson Sampaio, professor de Economia da Fundação Getulio Vargas. Prova disso é que, entre 2019 e 2021, o governo arrecadou R$ 227,3 bi com a desestatização de empresas menores, vendas de ações e de debêntures – operações realizadas em um processo silencioso, que não envolveu discussão com a sociedade. No tema reformas, no primeiro ano, o governo conseguiu aprovar a nova Previdência, como ficou conhecida a mudança no sistema do seguro social do trabalhador brasileiro. Mas parou por aí. E essa transformação não tem o DNA do atual governo. Bolsonaro apenas se beneficiou de um projeto discutido e preparado pelo antecessor, Michel Temer.
“O governo chega ao final do mandato com avanços modestos”, diz Sampaio. “As reformas são soluções para gargalos importantes.” Segundo o Sistema Brasileiro de Planejamento Tributário, o Brasil está entre os 30 países de maior carga tributária do mundo e com pior retorno dos serviços públicos. “Precisamos de sistemas mais modernos de arrecadação e da melhoria da qualidade do sistema”, acrescenta ele.
“Mas em ano eleitoral, a agenda legislativa se encerra em junho. Temos apenas mais dois meses, tempo que não seria suficiente para discutir e aprovar assuntos tão complexos como a Reforma Tributária e a Administrativa”, diz o economista Sergio Vale, da MB Associados. “E durante a campanha o que vai definir os candidatos são os antagonismos entre eles e não as convergências.” E há dúvidas sobre a verdadeira disposição do mandatário. Bolsonaro prometeu reformas, mas abraçou o corporativismo e brecou qualquer mudança importante. Lula critica qualquer privatização e já prometeu usar a Petrobras politicamente. Portanto, se depender dos dois líderes das pesquisas eleitorais, essa modernização pode se transformar em mais uma agenda perdida.