10/03/2023 - 9:30
Enraizada de maneira vergonhosa em nossa história, a violência contra mulher obedece a diferentes valores atribuídos culturalmente ao longo de centenas de anos à sociedade brasileira. É um triste legado que precisa ser combatido diariamente. Pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que todas as formas de violência contra a mulher apresentaram crescimento acentuado no ano passado. Considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das cinco melhores leis do mundo de enfrentamento à violência feminina, a lei Maria da Penha foi sancionada em 2006. É um marco para os direitos das mulheres brasileiras, mas que não tem sido suficiente para frear o aumento assustador dos números de casos de agressão no País, que teve mais de 18 milhões de vítimas em 2022.
“Acho importante dizer que o Brasil é um País tradicionalmente violento no que diz respeito às relações interpessoais, especialmente por conta do nosso histórico de escravidão e desigualdade social”, afirma Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o levantamento, uma em cada três brasileiras com mais de 16 anos sofreu violência física e sexual provocada por seu parceiro íntimo ao longo da vida. Mais de 21,5 milhões de mulheres, ou seja, 33,4% da população feminina brasileira passou por algum tipo de agressão. Seja no ambiente de trabalho ou no transporte público, o assédio sexual atingiu recordes inimagináveis.
Perfil de epidemia
Para Jackeline Romio, doutora em demografia da Unicamp e Especialista de Programa no UNFPA LACRO do Fundo de População da ONU, esses números são compatíveis aos de uma epidemia. “A violência baseada em gênero é um desafio global que impacta no desenvolvimento social e econômico das mulheres. Inclusive já há um consenso de que, no Brasil, ela tem dimensões de uma epidemia”, diz. Em comparação com levantamentos anteriores, agressões físicas, ofensas sexuais e abusos psicológicos se tornaram ainda mais frequentes na vida das brasileiras. “O fato de a pena ser branda ou grave não influencia na hora de cometer o crime. É uma questão cultural, a mulher é tratada como um patrimônio”, avalia o professor de Direitos Humanos da Universidade Estácio de Sá.
Estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revelou que em 2022 ocorreu a menor alocação orçamentária para o enfrentamento dos crimes contra mulheres em uma década. A gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro abriu espaço para grupos ultraconservadores, que encontraram espaços para florescer. Foi um governo, por exemplo, em que se consolidaram as agressões contra jornalistas, principalmente do gênero feminino.
A socióloga Leandra Brito de Jesus acredita que o Estado tem de ser mais eficiente no acolhimento da vítima, para que ela possa se sentir segura para expor sua realidade e não se sentir constrangida. “É preciso que o delegado entenda e conheça a diversidade de gênero, assim como todos os atores envolvidos”, diz. E, ainda que não se possa hierarquizar os traumas provocados por diferentes formas de violência, o fato é que estamos diante de um crescimento agudo dos episódios graves, que podem levar ao feminicídio. Se os números têm o poder de chocar, também podem funcionar como bússola para guiar a ação do Estado, empresas e da sociedade civil, em busca de soluções capazes de garantir a vida e segurança de milhares de brasileiras.