06/01/2023 - 9:30
Perspectivas 2023 – Economia
O primeiro ano do novo governo Lula não será nada fácil. Os problemas são conhecidos, mas ficarão mais expostos do que antes. O Brasil, em 2023, começa com a taxa de juros a 13,5%, o patamar mais alto desde 2016. São 33 milhões de pessoas na extrema pobreza, com o crescimento do PIB desacelerando e a expectativa de um desempenho morno no mercado de trabalho. A inflação estará pressionada, o que pode adiar a queda da Selic, prevista inicialmente para o terceiro trimestre.
Um dos grandes desafios do novo governo é diminuir ainda mais a taxa de desemprego, que apresentou queda nos últimos meses. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em outubro o País possuía 8,7% de desempregados. Para isso, uma das apostas na nova gestão é a recriação do Ministério do Trabalho, que foi extinto em 2019. Com a vitória de Lula, a pasta ficará sob o comando de Luiz Marinho, que tem como desafio cumprir as promessas de campanha, como a criação de uma nova legislação trabalhista de extensa proteção social a todas as formas de emprego, com especial atenção aos autônomos e novas modalidades de ocupação, como o home office e o trabalho exercido por meio de aplicativos e plataformas. “O retorno do Ministério do Trabalho permitirá fixar com maior praticidade as diretrizes, além de fiscalizar o cumprimento das normas, com a finalidade de manter o equilíbrio nas relações trabalhistas e o cuidado com a taxa do emprego formal no País”, opina Alessandra Cobo, advogada do escritório Aparecido e Inácio Pereira Advogados Associados.
De acordo com a advogada, no período em que Lula governou o Brasil, os trabalhadores brasileiros puderam notar melhorias na qualidade de vida e no salário mínimo, mas muito disso se deu por conta do processo de crescimento que o País atravessava naquele momento. Mas ela vê a nova gestão com otimismo. “As propostas de Lula, se concretizadas, podem trazer novos cenários para o trabalhador em 2023, por buscar a diminuição dos empregos informais e consequentemente o aumento dos trabalhos formais, com todos os direitos do trabalhador envolvidos”, explica.
Já Fernando Haddad terá muitos desafios como novo ministro da Fazenda, especialmente em relação à política fiscal e tributária, já que precisará provar que o País está numa trajetória que permitirá pagar sua imensa dívida pública. “A gente espera que haja empenho da equipe econômica e dos congressistas ligados à esquerda na reforma do Imposto de Renda e na do IVA”, diz Vanessa Canado, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Tributação do Insper. Para ela, a indicação de Bernard Appy como secretário especial para reforma tributária é um bom sinal, já que ele é um dos idealizadores da PEC 45, que propõe uma sensível mudança nos tributos sobre o consumo, com a extinção do IPI, do PIS, da Cofins, do ICMS e do ISS. Para Vanessa, Appy é uma boa indicação, pois “é uma pessoa preparada e acompanha as questões sobre a reforma tributária há muito tempo”.
Para vários especialistas, Lula e seu ministro da Fazenda enfrentam dificuldades para convencer o mercado financeiro de suas intenções. Haverá muita turbulência, pelo menos nos primeiros meses de mandato. Os passos e as falas de Lula e Haddad até o momento geraram estranheza e incerteza para investidores e analistas, levando à queda na Bolsa de Valores e à subida do dólar. Os riscos fiscais seguem deixando o mercado receoso. O temor de elevação de gastos durante a gestão petista já provocou ruídos no mercado financeiro e segue como motivo de alerta para grande parte dos economistas. “O maior desafio de longo prazo é a contribuição do crescimento com equidade. Não há nada de errado em aumentar gastos do principal programa de combate à pobreza de 0,5% para 1,5% do PIB, desde que existam formas de financiamento sustentáveis”, avalia o economista e diretor do FGV Social na Fundação Getulio Vargas, Marcelo Neri.
“As propostas de Lula, se concretizadas, podem trazer novos cenários para o trabalhador em 2023” Alessandra Cobo, advogada
A PEC da Transição aprovada no Congresso no fim de dezembro, que aumentou o limite de despesas previsto na regra de gastos liberando R$ 145 bilhões fora do teto e retirando da norma fiscal R$ 23 bilhões relacionados ao aumento da arrecadação para investimentos públicos, num aumento total de R$ 178 bilhões, não teve boa receptividade. A percepção de especialistas de investimentos é que enquanto o governo não assinalar qual será o arcabouço fiscal para substituir o teto de gastos, haverá pouca margem de manobra para o Banco Central cortar os juros. E há quem considere que o risco é a taxa subir se os estímulos extras previstos na PEC baterem na inflação. “Tem uma piora fiscal contratada para o ano em cima de uma dívida que já está muito elevada, na casa de 77% do PIB. Uma dívida cara com custo elevado pela taxa básica de juros. O ano começa com um cenário fiscal muito difícil e tenso”, pontua o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale.

Um dos poucos setores que promete seguir trazendo boa perspectivas para 2023 é o agronegócio. Mas o campo, sozinho, não deve garantir um avanço mais expressivo para a atividade econômica. Segundo estudo do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o PIB do setor cresceu 8,36% em 2021 e conseguiu participação de 27,4% do PIB Brasileiro. Já em 2022, de acordo com pesquisadores da Cepea, estima-se que essa participação tenha caído para cerca de 25,5%, resultado que pode estar atrelado à forte alta dos custos com insumos no setor. “O setor agro é, historicamente, a mola propulsora da nossa economia. No ano passado, o segmento representou cerca de 26% do PIB”, sustenta Fernando Kunzel, sócio da L6 Capital Partners.
“Não há milagre a ser tirado do bolso do colete. Serão meses e anos difíceis” William Eid, economista
Conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra de grãos 2022/2023 deve alcançar um novo recorde, com 41,4 milhões de toneladas acima da temporada recentemente finalizada. As perspectivas da Conab apontam, ainda, que a soja e o milho juntos serão responsáveis pela produção de 279 milhões de toneladas. Todos esses números mostram a força de um setor que conseguiu se superar, mesmo com adversidades como as últimas recessões econômicas e a pandemia. “A força das cadeias produtivas ligadas ao mundo rural criou uma dinâmica própria, essencialmente capitalista, de base tecnológica, pouco dependente do Estado. Diferentemente do que muitos imaginam, o custo dos subsídios agrícolas para todos os programas soma R$ 9,5 bilhões, o que dá 0,6% do dispêndio público total. Se os mercados externos continuarem aquecidos, e os preços remuneradores, o agro seguirá em frente”, afirma Xico Graziano, membro do Conselho Científico Agro Sustentável. “Os próximos anos parecem estar bem encaminhados em termos de investimentos no agronegócio”, defende Willian May, engenheiro de produção e sócio na L6 Capital. “Contudo, é preciso cuidado para sempre acompanhar todas as tendências, não apenas aquelas voltadas para um ou outro ponto da cadeia produtiva, uma vez que as necessidades, bem como o capital, podem fluir entre eles”, acrescenta.

Sem milagre
A economia familiar e de pequenas e médias empresas, que representam mais de 70% da geração de empregos no País, também serão foco do novo governo, com linhas de crédito e investimentos relacionados à sua retomada, desenvolvimento e inovação.
Para os especialistas, se Haddad e sua equipe conseguirem utilizar seu capital político para avançar com a reforma administrativa e tributária, manter uma política fiscal austera e recuperar o seu prestígio para conquistas nas relações internacionais, o Brasil pode, mesmo que lentamente, dar o primeiro passo para a retomada de seu crescimento ainda em 2023. “Não há milagre a ser tirado do bolso do colete. Serão meses e anos difíceis”, analisa o economista da FGV William Eid. O especialista menciona o estreitamento das relações internacionais como um provável ponto positivo para o primeiro ano da gestão de Lula. Os laços no exterior ficaram bem abalados com os rompantes e a inabilidade política de Bolsonaro. “Há um ponto positivo: em termos de relações exteriores, o Brasil volta a figurar no mundo como um País amistoso, coisa que perdemos no governo Bolsonaro, com seu radicalismo infantil”, resume Eid.