03/03/2023 - 9:30
Se internamente o presidente Lula trabalha para imprimir também ao seu terceiro governo a marca do social, com o combate à fome e a redução das desigualdades, no cenário externo o petista sonha ainda mais alto: já comparou sua trajetória à de grandes líderes como Martin Luther King e Gandhi, mas cita especialmente Nelson Mandela. E agora se dispôs a mediar o conflito entre Rússia e Ucrânia, que acaba de completar um ano e que não dá o menor sinal de que esteja próximo de uma solução. Lula conclamou outros países não envolvidos na guerra a tentar restabelecer a paz na região, e o presidente da Ucrânia, Wolodymyr Zelensky, demonstrou interesse em conversar com o brasileiro. Pela Rússia, o chanceler Serguei Lavrov disse ao homólogo brasileiro, Mauro Vieira, que virá a Brasília no próximo mês. Os dois se encontraram durante a reunião do G20, na Índia.
O presidente brasileiro tenta reproduzir o protagonismo de 2010, quando intermediou o acordo nuclear do Irã. “Na época, a conversa entre Estados Unidos e Irã foi algo surpreendente, já que o relacionamento entre esses países estava bastante tensionado”, lembra a cientista política Natali Laise Zamboni Hoff, especialista em Relações Internacionais Contemporâneas e doutoranda da UFPR. “Lula pode não repetir o mesmo protagonismo no conflito do Leste europeu, que está intenso. Mas esse movimento ajuda recolocar o Brasil num papel de referência, nas relações internacionais, quando a gente pensa em paz, cooperação e resolução de conflitos”. O fato é que o presidente brasileiro goza de grande prestígio internacional. “Lula historicamente sempre atuou de maneira proativa nas relações internacionais, e a partir disso ele foi construindo essa imagem”, atesta Natali. Em janeiro, ele recebeu a visita do chanceler alemão Olaf Scholz. Conversaram sobre a conclusão do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, cujas negociações ficaram suspensas durante o governo Bolsonaro. Também acertaram a reativação do Fundo Amazônia, paralisado desde 2019. O fundo vai receber R$ 192 milhões dos alemães, que também prometeram um pacote de R$ 1,1 bilhão em investimentos. A última visita de um chanceler do país europeu ao Brasil havia ocorrido em 2015, quando Angela Merkel se reuniu com Dilma Roussef.

Lula também conversou recentemente, por telefone, com o presidente da França, Emmanuel Macron. “Eu reiterei o apoio da França depois dos ataques à democracia brasileira”, publicou o francês em seu perfil no Twitter. Macron deve vir ao Brasil ainda no primeiro semestre para a Cúpula da Amazônia, reunião que vem sendo articulada pelo presidente brasileiro. As relações entre os dois países estavam estremecidas por discordâncias sobre a questão ambiental, e também em razão dos comentários misóginos de Bolsonaro sobre a mulher de Macron, Brigitte. No mês passado, Lula foi recebido em Washington pelo presidente americano, Joe Biden, que anunciou a intenção de também colaborar com o Fundo Amazônia. Os dois se comprometeram a trabalhar juntos para expandir o Conselho de Segurança da ONU a partir da inclusão de assentos permanentes a países da África, América Latina e Caribe. Biden aceitou o convite de Lula para vir ao Brasil, mas a previsão de data para a viagem não foi informada.

Volta e meia Lula fala sobre encontro que teve com Mandela em 2004, em Pretória, capital administrativa da África do Sul. Ficou impressionado com o que viu: o povo se aproximava do Union Building, sede do governo, e passava as mãos pelas paredes do prédio. Mandela teria explicado, então, que antes aquelas pessoas eram massacradas e não podiam nem se aproximar do edifício – mas que sob seu comando “ganharam a liberdade”. A partir daquela experiência, Lula diz ter aprendido com o sul-africano que “a palavra certa não é governar, é cuidar do povo”. A analogia entre a trajetória de ambos, portanto, vai além do fato de os dois terem passado pela cadeia antes de chegar à presidência. Em seus primeiros governos, Lula apostou em políticas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, o que contribuiu de maneira decisiva para que em 2014, durante o governo Dilma, o Brasil conseguisse sair do Mapa da Fome. Em 2010, foi condecorado pela ONU com o título de “campeão mundial na luta contra a fome”.
“Guardadas as devidas proporções, é possível traçar um paralelo entre Lula e Mandela para além do fato de ambos terem sido presos antes de ser eleitos: os dois tiveram papel muito importante em momentos cruciais da história de seus países”, diz Natali. “Mas eu não projetaria para Lula a mesma importância internacional que Mandela teve, que foi muito além da relevância política interna”. Ela explica que Lula, como liderança popular, conseguiu derrotar Bolsonaro nas eleições de 2022, o que possibilitou ao Brasil a retomada de um “caminho civilizado”, em oposição ao que chamou de “barbárie dos últimos quatro anos”. Por sua vez, Mandela também foi fundamental para a reunificação da África do Sul no pós-apartheid — e ainda conseguiu levar a discussão sobre o racismo para além das fronteiras de seu país. “Mandela é uma liderança extremamente importante quando a gente pensa na história mundial, porque se colocou como instrumento de luta contra o sistema de segregação racial”, diz a cientista política. Para Lula chegar a tal lugar no pódio mundial, ainda falta subir alguns degraus. Se internamente o presidente Lula trabalha para imprimir também ao seu terceiro governo a marca do social, com o combate à fome e a redução das desigualdades, no cenário externo o petista sonha ainda mais alto: já comparou sua trajetória à de grandes líderes como Martin Luther King e Gandhi, mas cita especialmente Nelson Mandela. E agora se dispôs a mediar o conflito entre Rússia e Ucrânia, que acaba de completar um ano e que não dá o menor sinal de que esteja próximo de uma solução. Lula conclamou outros países não envolvidos na guerra a tentar restabelecer a paz na região, e o presidente da Ucrânia, Wolodymyr Zelensky, demonstrou interesse em conversar com o brasileiro. Pela Rússia, o chanceler Serguei Lavrov disse ao homólogo brasileiro, Mauro Vieira, que virá a Brasília no próximo mês. Os dois se encontraram durante a reunião do G20, na Índia.

O presidente brasileiro tenta reproduzir o protagonismo de 2010, quando intermediou o acordo nuclear do Irã. “Na época, a conversa entre Estados Unidos e Irã foi algo surpreendente, já que o relacionamento entre esses países estava bastante tensionado”, lembra a cientista política Natali Laise Zamboni Hoff, especialista em Relações Internacionais Contemporâneas e professora da UFPR. “Lula pode não repetir o mesmo protagonismo no conflito do Leste europeu, que está intenso. Mas esse movimento ajuda recolocar o Brasil num papel de referência, nas relações internacionais, quando a gente pensa em paz, cooperação e resolução de conflitos”. O fato é que o presidente brasileiro goza de grande prestígio internacional. “Lula historicamente sempre atuou de maneira proativa nas relações internacionais, e a partir disso ele foi construindo essa imagem”, atesta Natali. Em janeiro, ele recebeu a visita do chanceler alemão Olaf Scholz. Conversaram sobre a conclusão do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, cujas negociações ficaram suspensas durante o governo Bolsonaro. Também acertaram a reativação do Fundo Amazônia, paralisado desde 2019. O fundo vai receber R$ 192 milhões dos alemães, que também prometeram um pacote de R$ 1,1 bilhão em investimentos. A última visita de um chanceler do país europeu ao Brasil havia ocorrido em 2015, quando Angela Merkel se reuniu com Dilma Roussef.
Lula também conversou recentemente, por telefone, com o presidente da França, Emmanuel Macron. “Eu reiterei o apoio da França depois dos ataques à democracia brasileira”, publicou o francês em seu perfil no Twitter. Macron deve vir ao Brasil ainda no primeiro semestre para a Cúpula da Amazônia, reunião que vem sendo articulada pelo presidente brasileiro. As relações entre os dois países estavam estremecidas por discordâncias sobre a questão ambiental, e também em razão dos comentários misóginos de Bolsonaro sobre a mulher de Macron, Brigitte. No mês passado, Lula foi recebido em Washington pelo presidente americano, Joe Biden, que anunciou a intenção de também colaborar com o Fundo Amazônia. Os dois se comprometeram a trabalhar juntos para expandir o Conselho de Segurança da ONU a partir da inclusão de assentos permanentes a países da África, América Latina e Caribe. Biden aceitou o convite de Lula para vir ao Brasil, mas a previsão de data para a viagem não foi informada.
Volta e meia Lula fala sobre encontro que teve com Mandela em 2004, em Pretória, capital administrativa da África do Sul. Ficou impressionado com o que viu: o povo se aproximava do Union Building, sede do governo, e passava as mãos pelas paredes do prédio. Mandela teria explicado, então, que antes aquelas pessoas eram massacradas e não podiam nem se aproximar do edifício – mas que sob seu comando “ganharam a liberdade”. A partir daquela experiência, Lula diz ter aprendido com o sul-africano que “a palavra certa não é governar, é cuidar do povo”. A analogia entre a trajetória de ambos, portanto, vai além do fato de os dois terem passado pela cadeia antes de chegar à presidência. Em seus primeiros governos, Lula apostou em políticas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, o que contribuiu de maneira decisiva para que em 2014, durante o governo Dilma, o Brasil conseguisse sair do Mapa da Fome. Em 2010, foi condecorado pela ONU com o título de “campeão mundial na luta contra a fome”.

“Guardadas as devidas proporções, é possível traçar um paralelo entre Lula e Mandela para além do fato de ambos terem sido presos antes de ser eleitos: os dois tiveram papel muito importante em momentos cruciais da história de seus países”, diz Natali. “Mas eu não projetaria para Lula a mesma importância internacional que Mandela teve, que foi muito além da relevância política interna”. Ela explica que Lula, como liderança popular, conseguiu derrotar Bolsonaro nas eleições de 2022, o que possibilitou ao Brasil a retomada de um “caminho civilizado”, em oposição ao que chamou de “barbárie dos últimos quatro anos”. Por sua vez, Mandela também foi fundamental para a reunificação da África do Sul no pós-apartheid — e ainda conseguiu levar a discussão sobre o racismo para além das fronteiras de seu país. “Mandela é uma liderança extremamente importante quando a gente pensa na história mundial, porque se colocou como instrumento de luta contra o sistema de segregação racial”, diz a cientista política. Para Lula chegar a tal lugar no pódio mundial, ainda falta subir alguns degraus.