Bolsonaro é um tirano? O Brasil precisa ser salvo dele? Ou estamos exagerando nessa narrativa por um viés político? A elite de empresários se demitiu de cuidar do Brasil? E a democracia? Ela está verdadeiramente em perigo? Minha atenção parou numa matéria da historiadora Heloísa Starling que faz uma colocação pertinente sobre os mecanismos políticos que, primeiro levaram à eclosão das ditaduras  e depois estão na origem do seu desaparecimento. Ela acredita que  as instituições não se protegem sozinhas e que a democracia não é um fato político consumado e que sempre que ameaçada se faz necessário uma ação conjunta para impedir o seu desaparecimento. A essa ação conjunta é realizada por “viabilizadores”, que no caso do começo da ditadora são “cínicos” e no caso do ressurgimento da democracia são “cívicos”.

No primeiro caso, a ação conjunta é protagonizada por pessoas que sabem que é um tirano — nas palavras da Heloísa — inconfiável, perigosamente impulsivo, conivente com a corrupção, indiferente à verdade e até cruel. Mas estes “cínicos” cometem um erro original, eles acreditam que podem controlar o tirano e que “feitas as contas, tudo dará certo para eles e para seus interesses”. No segundo caso, a historiadora refere-se a existência de outros viabilizadores: os “cívicos”. Pessoas que apoiam ativamente a liberdade e se tornam fundamentais na sua defesa mesmo que entre elas existam relações de antagonismo e até de ódio. Uma espécie de coalizão “do bem”, improvável, mas positiva, que se forma em torno de um bem maior.

Heloísa acredita que hoje, no Brasil eles existam, esses viabilizadores. Capazes impulsionar a constituição de uma frente democrática como aconteceu antes, quando inimigos figadais como Carlos Lacerda, João Goulart e Juscelino Kubitschek, na década de 50 do século XX, se juntaram fugazmente em torno de uma ideia; ou mais tarde nos anos 70, quando gente da esquerda, da direita, dos sindicatos, dos jornalistas, do movimento estudantil, dos advogados, da Igreja Católica, do Movimento Negro, do Centro da Mulher Brasileira e até do Somos — um grupo de afirmação homossexual — se juntaram para fazer voltar a democracia.

É aqui que o futuro bate neste texto e as perguntas do início ganham maior força. Será que hoje, na época das fake news, a sociedade brasileira é capaz de perceber os perigos e encontrar seus novos viabilizadores? E quem são esses heróis improváveis que hoje defenderão a democracia dos perigos que ela enfrenta. Será que existem?

É imprescindível que haja uma união nacional em torno de um bem maior: a democracia