Uma CPI a gente sabe como começa, mas não como termina, diz o famoso axioma atribuído a Ulysses Guimarães (1916-1992). Mas se um governo não tem como saber como vai terminar uma Comissão Parlamentar de Inquérito, tanto pior se ela estiver sob o controle da oposição. E é o que está se prenunciando. Capitaneados pelo deputado bolsonarista André Fernandes (PL-CE), 189 deputados e 33 senadores assinaram o pedido de abertura de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), no Congresso, para investigar a depredação dos prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro. Os oposicionistas pretendem utilizar a investigação para tentar jogar no colo do governo Lula a responsabilidade pelo que aconteceu, ao não tomar medidas preventivas para evitar os ataques, e, assim, desviar o foco dos verdadeiros responsáveis pelos atos de vandalismo – autores intelectuais, financiadores, incentivadores e executores, todos bolsonaristas.

A oposição alega que Flavio Dino, ministro da Justiça, teria sido intencionalmente omisso por não ter providenciado o bloqueio de estradas ou o reforço do policiamento. Faz parte dessa estratégia também desacreditar o trabalho do Supremo Tribunal Federal (STF), responsável pelas investigações dos atos golpistas e que mantém 767 pessoas presas por envolvimento no episódio. O próprio André Fernandes, que protocolou o pedido de abertura da CPMI, é alvo de um inquérito na Corte por instigar os atos criminosos. A iniciativa dele foi comemorada por parlamentares como Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro, todos do PL.

A CPMI surge em meio ao vai-não-vai da CPI dos Atos Golpistas do Senado, protocolada há quase dois meses pela senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS) e que num primeiro momento contou com o apoio de governistas como Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder do governo no Congresso, e Fabiano Contarato (PT-ES), líder do partido do presidente no Senado. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, disse na terça-feira, 28, que, como as assinaturas foram colhidas em janeiro, ainda na legislatura passada, será necessário que elas sejam ratificadas, mas os senadores governistas não devem fazê-lo, já que o Palácio do Planalto é contra. Não deve vingar, portanto – são necessárias 27 assinaturas para que ela seja instalada.

“Era importante o Senado participar dessa força-tarefa para punir golpistas e atuar com o viés da institucionalidade para fortalecer a democracia” Renan Calheiros (MDB-AL), senador

Adriano Machado

Blindagem política

Aliados de Lula argumentavam que a CPI do Senado não seria necessária porque polícia, Ministério Público e Justiça estão fazendo seu trabalho. Reservadamente, temiam que houvesse algum desgaste para Lula logo no início do mandato, já que a investigação poderia chegar a parlamentares envolvidos nos atos terroristas e até mesmo a militares. Afinal, o presidente precisa de votos no Congresso para aprovar medidas importantes para seu governo e a relação com as Forças Armadas anda bastante estremecida. Líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA) diz não ver razão para a instalação da CPI, embora também tenha assinado o requerimento para a abertura da comissão. “Eu sinceramente não vejo muito sentido”, diz. Segundo ele, os fatos de 8 de janeiro já estão sendo esclarecidos pelas autoridades competentes. “No caso da CPMI da Covid, não havia uma atuação do governo federal para esclarecer os fatos”, alega.

O fato é que senadores governistas poderiam ter tomado a frente da CPI e conduzido a comissão com uma blindagem política a Lula, mas apostaram na alternativa do esvaziamento da comissão. O mandatário teria sido alertado dos riscos que corre. “Se o governo não faz, a oposição vai fazer”, explica um senador que participou da CPMI da Covid. “Perderam a oportunidade de assumir o protagonismo e direcionar os trabalhos da comissão de acordo com seus próprios interesses”, complementa.

Foi nesse contexto, exatamente pelas mãos de oposicionistas, que surgiu na semana passada a CPMI. Na segunda, 27, Randolfe prometeu “desarmar” a comissão. O governo trabalha para convencer parlamentares a retirar suas assinaturas do requerimento – parte significativa dos signatários pertence a União Brasil, PSD e MDB, partidos da base petista. “Alguns dos que assinaram a proposta são os mesmos que deveriam estar no rol dos investigados”, ponderou Randolfe. Governista de primeira hora e lulista há tempos, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) criticou a estratégia do governo. Chegou a dizer que, sob o comando de aliados do Planalto, a CPI dos Atos Golpistas no Senado poderia funcionar como um “Tribunal de Nüremberg profilático” para expor os “fascistas”. “Todos os poderes estão fazendo sua parte no combate ao terrorismo e ao fascismo”, disse o senador. “Era importante o Senado participar dessa força-tarefa para punir golpistas, aprimorar a legislação e atuar com o viés da institucionalidade para fortalecer a democracia. Defendi essa tese e alertei para a possibilidade de a oposição conseguir as assinaturas suficientes”. Ao optar pela política de redução de danos, portanto, o governo pode ter contratado um problema ainda maior.