Diante da crise e escassez da oferta de crédito, empresas ampliaram as demissões de funcionários e, sem emprego, os brasileiros estão endividados e sofrendo com o atraso no pagamento de prestações. As concessões de novos empréstimos e financiamentos para pessoas físicas e jurídicas caíram com a preocupante turbulência no varejo e cenário de juros altos. O arrocho já está sendo sentindo com mais força pelas famílias, principalmente das classes média e baixa e pelas empresas nacionais, especialmente as pequenas e médias, gerando dificuldade em investimentos para a manutenção de suas atividades. Esse cenário, como em um ‘efeito dominó’, pode acarretar aumento ainda maior do desemprego e redução do ritmo da atividade econômica de forma geral (o PIB, que cresceria 1,6%, já não passará de 0,8% este ano, de acordo com os bancos).

Profissionais autônomos vêem sentido esse aperto desde a pandemia, em que viram suas rendas sumirem de uma hora para outra com as restrições impostas pelo governo e a solução foi recorrer a empréstimos para pagar as contas básicas. A educadora e atriz Sonia Maria de Souza Lima ainda sente o reflexo deixado pela queda na renda provocada pelo desemprego. “Comecei a me endividar com o cartão de crédito e com as prestações do empréstimo. Aí começou meu martírio. Juros em cima de juros e acabei não conseguindo pagar o contrato e nem o cartão novamente”, lamenta.

70,1 milhões de brasileiros inadimplentes Segundo a Serasa Experian

Segundo levantamento da Serasa Experian, o número de inadimplentes passou de 59,3 milhões em janeiro de 2018, para 70,1 milhões em janeiro de 2023 — recorde da série histórica. Apesar da alta dos juros ser a principal ferramenta usada pelo Banco Central para conter a inflação, os efeitos colaterais podem ser sufocantes para o cidadão comum. O endividamento das famílias com bancos e instituições financeiras é o retrato disso. Até janeiro de 2023, o nível de endividados estava em 48,8%, alta de um ponto percentual em 12 meses, de acordo com o BC. “Estamos falando de quase 80% da população brasileira estar endividada. Ou seja, são pessoas que gastam quase a totalidade do que ganham para pagar dívidas dos meses anteriores”, aponta o educador financeiro Thiago Martello. É uma tragédia para as famílias, que perdem o poder de compra, com reflexo no comércio, serviços e indústria.

Cenário adverso

A professora de teatro Jaqueline dos Santos faz parte dessa parcela da população. “Fiz um empréstimo consignado na Caixa Econômica, que era descontado direto na folha. Mas, fui demitida e a dívida ficou. Renegociei o débito por quatro vezes e o valor, que era de R$ 7.000, foi para R$30.000. Uma loucura, graça à taxa de juros escorchante”, conta. O mercado de trabalho também sente os efeitos dos juros altos, uma vez que o desaquecimento da economia faz com que empresas contratem menos, o que torna mais cara a manutenção de trabalhadores no emprego. De acordo com a Serasa, o número de falências de empresas avançou 56,5% só em janeiro deste ano, de 46 pedidos para 72, em relação ao mesmo mês do ano passado. “É importante ressaltar que a inadimplência e o endividamento excessivo podem ser indicadores de problemas estruturais da economia, que devem ser tratados com políticas públicas e reformas estruturais”, aponta Lia Canato, gerente regional de empresas na WIT Corporate.

A crise na oferta de crédito afeta negativamente também a vida prática das empresas, tirando a capacidade de investir em novos projetos, expandir seus negócios e gerar novos empregos. Para se ter ideia, os dados do BC revelam que o volume de créditos concedidos por instituições financeiras para empresas caiu 8,6% em fevereiro na comparação com janeiro, para R$ 166 bilhões. “Isso deve levar a uma desaceleração do crescimento”, reafirma Canato.

56,5% de falências em janeiro de 2023 comparado ao mesmo período de 2022

BOLA DE NEVE Desempregada, Jaqueline Santos viu sua dívida no banco triplicar de valor (Crédito:Gabriel Reis)

De acordo com analistas de mercado, a tendência é que as condições de crédito continuem duras pelo menos até o fim do ano, dificultando a operação das companhias nacionais. Apenas no primeiro bimestre deste ano, de acordo com a Serasa, 195 empresas já entraram com pedido de recuperação judicial, o que representa um aumento de 60% na comparação com o mesmo período de 2022. A redução do crédito impacta diretamente na confiança dos consumidores e dos empresários, reduzindo a demanda por bens e serviços e gerando uma retração da economia como um todo. Esse é o caso do mercado automotivo, que tem sentido o impacto da redução da oferta de crédito para financiamento de automóveis zero-quilômetro, com fábricas paradas, funcionários de férias coletivas e pátios superlotados de carros sem destino. Tanto assim que o volume de veículos financiados no País, incluindo modelos novos e usados, de leves, pesados e motocicletas, foi de 402 mil unidades em fevereiro, com uma queda de 9% em comparação a janeiro. Pior é que sem as reformas que patinam, a crise tende a piorar.