Uma frase conhecida de Nicola Sturgeon, uma das mais populares políticas do Reino Unido, virou seu bordão: “A voz da Escócia tem de ser ouvida”. E a citação resume as razões mais óbvias para sua renúncia ao posto de primeira-ministra, em 15 de fevereiro. Aos 52 anos e oito de mandato, ela arrematou: “Na minha cabeça e no meu coração, eu sei que a hora é agora”. Menos de um mês antes, tinha sido Jacinda Ardern, a primeira-ministra da Nova Zelândia, a deixar o cargo, com 42 anos e cinco de mandato. Em 8 de dezembro de 2021, Angela Merkel passou o bastão aos 67, depois de 16 anos à frente da Alemanha — que desde então parece meio desgovernada. O que essas mulheres têm em comum, além de terem nascido em julho, sido reeleitas e deixado seus governos sob aplausos?

A resposta: sofreram pressões extras no meio político, ainda predominantemente masculino, explica Carolina Pavese, doutora pela London School of Economics e especialista em governança global e questões de gênero. Para ela, a renúncia delas “mostra um entendimento maduro de que só faz sentido ocupar esses cargos se há condições para entregar um bom governo — o que a maioria dos homens tem dificuldade em reconhecer”.

ROSAS PARA ELA Angela Merkel já havia se tornado “primeira-ministra da Europa”, depois de 16 anos à frente da Alemanha (Crédito:Fabrizio Bensch)

Nicola chegou ao poder com 44 anos, em 2014, quando o Partido Nacional, de centro-esquerda, foi derrotado no referendo pela independência da Escócia. Foi reconduzida ao cargo em 2016, quando 62% dos escoceses votaram pela permanência do Reino Unido na União Europeia — e foram derrotados, porque 52% dos britânicos votaram pela saída, que ficou conhecida por Brexit. Ela disse que sua nação havia saído “contra a vontade”, mas o pedido de novo referendo, aprovado pelo Parlamento escocês, foi negado pelo Parlamento britânico.

Além da crise econômica com a pandemia e a guerra na Ucrânia, duas questões contribuíram para sua decisão de entregar o cargo. A campanha por outro referendo pela independência da Escócia chegou a um impasse, depois da Suprema Corte britânica definir que a votação só se daria com a participação de todo o Reino Unido. Depois, o governo central derrubou o projeto de lei pela reforma e reconhecimento de gênero, aprovado pelo Parlamento escocês, em procedimento sem precedentes.
Nicola comentou que sofreu uma “brutalidade crescente” como política. “Dar tudo de si é a única forma de exercer essa função, mas só se é capaz de fazer isso por um tempo. Para mim, talvez esse tempo tenha se estendido demais”, disse. Humza Yousaf e duas mulheres, Ash Regan e Kate Forbes, são candidatos ao cargo, em votação prevista até o dia 13 de março.

Muro invisível

Na política, a mulher ainda é questionada sobre sua capacidade e legitimidade de estar ali, observa Carolina Pavese, e ainda é agredida moral e fisicamente, o que se estende às famílias. “Quando eleita, sua visibilidade acentua os ataques intolerantes a qualquer erro, em proporção desmedida à dos homens. É o caso da Nicola, da Jacinda, da Angela, da Dilma. São mulheres que romperam um muro muito resistente — e ao mesmo tempo invisível —, mas passam por uma superexposição pessoal muito cruel. É duro tolerar essa violência cotidiana e o estado constante de alerta e medo.”

Jacinda Ardern, do Partido Trabalhista da Nova Zelândia, deixou o cargo após ser reconhecida mundialmente por sua atuação na pandemia. Chegou a inovar com uma entrevista coletiva online para crianças e sua filha Neve, nascida em 2018. Passou a ser criticada pelo custo de vida e controle de armas. Sofreu 50 ameaças de morte de extremistas, em 2021. “Não se deve liderar um país se não estiver com seu tanque cheio de combustível. E não tenho mais o suficiente. É tão simples…”, disse Jacinda, ao renunciar em 19 de janeiro. Seis dias depois, Chris Hipkins, indicado pelo partido, assumiu.

AMEAÇAS DE MORTE Jacinda Ardern, da Nova Zelândia, enfrentou ataques de extremistas (Crédito:Mark Mitchell )

Carolina Pavese diz que a saída de Nicola e Jacinda traz o óbvio à tona: para os homens, renunciar significa fraqueza — e não o reconhecimento de uma limitação, tanto pessoal como de leitura do espaço político, que requer trocas e depende de condições impossíveis de se controlar plenamente. “Normalmente eles são motivados por uma busca individual de poder ou um falso brilhantismo. É muito difícil para eles reconhecer sua limitação na capacidade de governar e que, para o bem comum, é melhor renunciar. Tendem a insistir no erro. Essas mulheres mostram que, na percepção delas, um cargo público é comprometimento com a população. E não aspiração pessoal ou massagem de ego.”

Tida como a primeira-ministra mais forte e influente da Alemanha no pós-guerra, mantendo a coesão europeia e inclusive peitando Donald Trump e Vladimir Putin, Angela Merkel escolheu uma canção de Kildegard Knef bem significava para sua cerimônia de despedida, em 2021: “Deveria chover rosas vermelhas em mim”, na tradução em português. Deveria, Angela. Em todas nós.