Da existência de um plano para unificar toda a América Latina em um estado socialista, a Ursal, ao chamado “kit gay”, as fake news tiveram um papel-chave nas eleições de 2018 e influenciaram o resultado das urnas. Desde então, o TSE armou-se em cooperação com plataformas digitais para conter as informações enganosas e aprimorou a aplicação da lei para coibi-las. A largada da campanha de 2022, no entanto, mostra que, apesar dos avanços, os ministros da corte ainda enfrentarão muitos obstáculos para evitar a reedição de problemas do último pleito. O sinal de alerta sobre uma avalanche de fake news já soou. Recém-integrado à campanha de Lula, André Janones, que acumula 7,9 milhões de seguidores no Facebook — número equivalente a um pouco mais da metade dos 14 milhões de Jair Bolsonaro — e o petista afirmaram que o atual presidente extinguirá o Auxílio Brasil, se reeleito. A investida, tomada sem qualquer embasamento, tem o potencial de virar milhares de votos, uma vez que o programa atende 20 milhões de famílias.

A transmissão ao vivo movimentou o QG bolsonarista, que correu às redes para esclarecer que o benefício é permanente e declarar que o Planalto planeja manter o valor do auxílio a R$ 600. “Nunca acredite naquele ex que só te enganou. Ele só quer te passar a perna mais uma vez”, escreveu Flávio Bolsonaro na legenda de um vídeo em que o ministro da Cidadania, Ronaldo Bento, desmente o petista. Na outra ponta, Bolsonaro, além de atacar as urnas eletrônicas, tem investido na propagação da tese de que o PT implementará medidas adotadas em ditaduras de esquerda como Venezuela, Cuba e Nicarágua. O presidente usou as redes sociais para declarar que, pela relação com os governos autoritários, Lula “perseguirá cristãos” e levará à frente “pautas mais íntimas”, como a liberação das drogas e do aborto. Com essa atitude, os dois líderes de pesquisas encampam práticas danosas à democracia, uma vez que notícias falsas podem desequilibrar a disputa e promover a intolerância. No mundo digital, os internautas tendem a replicar mensagens com rapidez, sem uma checagem prévia, e, depois, dificilmente retornam àquele material — ou seja, na prática, mesmo que uma publicação seja derrubada, os estragos dificilmente são revertidos. O potencial destrutivo é conhecido: ficou em grande evidência no auge da pandemia, quando, influenciada por declarações infundadas de Bolsonaro, parte da população rejeitou as vacinas.

Campanha suja

PreviousNext

Em outro caso aberrante, a ex-ministra Damares Alves espalhou em vídeos na internet que os governos petistas haviam criado uma cartilha para incentivar jovens a usar crack. O ministro Raul Araújo, do TSE, mandou retirar as peças do ar. Essa atitude dos candidatos e seus aliados estimula o submundo digital. Os exemplos se multiplicam e mostram uma sofisticação crescente. Nos últimos dias, por exemplo, circulou um vídeo que reproduzia a edição do Jornal Nacional do dia 16, com os resultados da pesquisa nacional do Ipec. A “deepfake” reproduziu a voz da apresentadora Renata Vasconcellos e inverteu os resultados, atribuindo a liderança falsamente a Bolsonaro. Esse tipo de montagem, que simula com precisão as vozes e imagens reais, tem grande sofisticação e é capaz de iludir o eleitor.

Apesar do olhar vigilante do TSE, a Justiça Eleitoral pode perder essa guerra. O tribunal está de olho na movimentação e, para otimizar o trabalho, dividiu-se em equipes. Corregedor-geral do tribunal, Mauro Campbell, avalia que a corte está “melhor afinada em conhecimento e preparo do que em 2018 para garantir eleições limpas”. Entre os avanços, está a criação do Sistema de Alerta de Desinformação contra as Eleições, que recebe denúncias. O material, se robusto, é repassado à Comissão de Segurança Cibernética, presidida por Campbell, responsável por monitorar a ação de milícias digitais. Além disso, acordos do TSE com plataformas digitais como Facebook, Instagram e Twitter preveem a exclusão de informações falsas. Apesar da reestruturação, ainda há flancos. O Congresso não retirou da gaveta o projeto que criminaliza a difusão de fake news. E urge que a população, por conta própria, se conscientize sobre a importância de não acreditar, de pronto, em tudo que lê na internet. A mudança é trabalhosa, mas também imprescindível, como a campanha de 2022 evidencia logo na largada.