23/09/2022 - 9:30
Renan Calheiros conhece como poucos os caminhos que levam ao poder na capital federal e, em 27 anos de Senado, aprendeu bem os momentos em que deve recuar ou avançar no xadrez político-eleitoral. A história recente comprova a experiência: o alagoano submergiu em 2019 quando retirou a candidatura à presidência do Salão Azul, reabilitou-se em 2021 com a CPI da Covid, e, agora, prepara-se para voltar de vez aos holofotes caso Jair Bolsonaro seja derrotado nas urnas. Principal fiador de Lula no MDB, Renan desconversa sobre um mea-culpa do aliado por casos de corrupção e faz ácidas críticas à Lava Jato, operação que chegou a lhe comprometer e, segundo ele, “entronizou um projeto nazifascista no Brasil”. O senador acrescenta que Bolsonaro testa a democracia de forma ininterrupta, mas minimiza o alcance da sanha golpista do presidente nos quartéis, apontando que a ascendência sobre as Forças Armadas se limita a generais da reserva. “É um Exército de Brancaleone atordoado pelos regimentos da legalidade constitucional.” O emedebista entende que o capitão busca a reeleição por medo da prisão, mas aposta que, em um movimento contrário ao de 2018, tanto ele como os aliados padecerão. “As pesquisas vão antecipando um quadro de enterro coletivo do bolsonarismo.”
Simone Tebet se destacou e alguns apostam que ela ultrapassará Ciro Gomes nas urnas. O senhor mantém o diagnóstico de que o MDB errou em lançá-la ao Planalto?
Sempre me posicionei a favor da candidatura de Lula de maneira transparente e franca. Acho muito difícil ela deslanchar, em que pese meu respeito e admiração por Simone. É um dado da realidade, não um gosto pessoal. E, sem competitividade, o MDB se transforma em um Titanic à procura de um iceberg. O risco real é comprometer o tamanho das bancadas da Câmara e do Senado e afundar o partido, como aconteceu quando chamamos Henrique Meirelles.
Ciro, aliás, virou um crítico voraz de Lula e condenou os laços dele com nomes do que chama de “velha política”, citando o senhor. O que acha dos ataques?
Ciro Gomes é um caso crônico que já migrou para a psiquiatria e não pertence mais à política. Ele incorporou a matéria-prima mais deletéria do bolsonarismo: o ódio a Lula. Sempre disse que ele não era uma via, mas a própria contramão da política. Ele errou a mão no ataque, na defesa e no meio campo. Foi só gol contra. É um caso patológico de um ressentido. Quem teve 12% no último pleito, adota um discurso colérico, perde mais da metade dos eleitores e não avalia a própria postura só pode querer entrar para a história como o maior caso de deflação eleitoral do País.
Bolsonaro aposta na vinculação de Lula à corrupção. O ex-presidente tem de realizar uma autocrítica sobre os escândalos de governos petistas?
O Brasil precisa de uma autocrítica generalizada da perspectiva histórica, política e institucional. Lula não tem melindre em abordar esse tema. Aliás, o fez muito bem na densa entrevista que concedeu à CNN. Por que Bolsonaro amarelou? Primeiro, porque não tem conteúdo para falar por 50 minutos. Segundo, porque tem de explicar os 107 imóveis da família, sendo 51 adquiridos em dinheiro vivo. Além do banco imobiliário da família, precisaria tratar da roubalheira no MEC com barras de ouro e pastores indicados por ele próprio, do FNDE, da Codevasf, do orçamento secreto e das propinas das vacinas, comprovadas pela CPI.
O que seria a autocrítica institucional?
A autocrítica institucional deve partir do conluio entre o Ministério Público e a Justiça, que entronizou um projeto nazifascista no Brasil. Essa eleição será, sem dúvida, a primeira autocrítica do País, porque é uma modalidade de reposicionamento. A história brasileira foi fraudada despudoradamente, numa farsa envolvendo alguns pigmeus da Lava Jato e urdida para prender Lula em nome da ambição política desses criminosos togados. Lula foi preso para não ser eleito. Agora, Bolsonaro quer ser presidente para não ser preso.
Na reta final eleitoral, Lula aposta no voto útil. O incentivo à polarização tem potencial de acirrar ainda mais os ânimos?
O voto útil é a tese mais relevante nessa reta final. Lançamos modestamente em julho em entrevistas e nas nossas redes sociais o mote: “Vote útil para derrubar o inútil”. Esse bordão pegou e viralizou nos noticiários e nas redes sociais, que, inquestionavelmente, têm um papel importante na disseminação das ideias e debates. Mas a polarização, todos sabem, é anterior a essa estratégia. Na média numérica entre todas as pesquisas, a diferença entre Lula e Bolsonaro se mantém estável há muito tempo. Há somente recortes regionais. No Nordeste, a surra vai ser grande. Os nordestinos, chamados de “paraíba”, “cabeça chata” e “pau de arara”, estão aguardando o dia da eleição para dar o troco em Bolsonaro.
Lula buscou acordos com boa parte dos ex-presidenciáveis. Fernando Collor é o único assumidamente aliado de Bolsonaro. Como o sr. avalia a postura dele?
Em Alagoas, há uma briga para ver quem morre afogado com o bolsonarismo e eu torço pela briga. Collor diz ser o candidato de Bolsonaro, enquanto Arthur Lira afirma que ninguém é mais Bolsonaro do que ele. Lula faz todos os gestos que a política recomenda, conduzindo campanha e planejando o governo pelo consenso, não pelo ódio. Por isso, a força emblemática da imagem com ex-presidenciáveis de todos os espectros políticos. Até agora, as pesquisas vão antecipando um quadro de enterro coletivo do bolsonarismo.
O que acha de Bolsonaro ter dito que se tiver menos de 60% dos votos, “algo anormal aconteceu no TSE”?
Todos sabem o que é anormal no Brasil: Jair Messias Bolsonaro. É uma anomalia, uma excrescência que será varrida das nossas vidas. As democracias passam por testes o tempo todo e vêm demonstrando ser mais sólidas do que seus inimigos visíveis e invisíveis. Eleger o Lula é apostar na pacificação e reconstrução da República.
As Forças Armadas estão permitindo o uso político dos quartéis por Bolsonaro?
A grande maioria dos fardados compreende sua missão constitucional. Uma pequena parte de maus militares — muitos da reserva e beneficiados por salários milionários, extratetos e nepotismo — empresta a Bolsonaro essa falsa alegoria de poderio sobre as Forças Armadas. Ele tem sua Abin, seu Ministério Público e acha que tem também suas Forças Armadas. Mas tem, na verdade, um Exército de Brancaleone atordoado pelos regimentos da legalidade constitucional.
Bolsonaro disputa as eleições sem o peso da responsabilização pelos erros na condução da pandemia, identificados pela CPI da Covid. Augusto Aras prevarica?
Bolsonaro não errou, cometeu crimes. A CPI produziu uma enormidade de provas materiais, testemunhais e documentais contra o presidente. São 9,4 terabytes de provas. Tentar arquivar a apuração da CPI é a maior fake news institucional do País. A PGR se comporta como cabo eleitoral para blindar Bolsonaro às vésperas das eleições. Só que não vai adiantar. Bolsonaro será arquivado pelo eleitor e pagará, um a um, por todos os seus crimes em um futuro próximo. Não se engaveta as mais de 685 mil mortes, as mortes provocadas por asfixia na falta de oxigênio hospitalar, não se engaveta as declarações e provas da cobrança de propinas nas vacinas, não se engaveta o genocídio, não se engaveta a cloroquina, não se engaveta o ministério paralelo, não se engaveta o estímulo de Bolsonaro ao protocolo macabro da Prevent Sênior.
Crê na vitória de Lula no primeiro turno?
Não estou entre aqueles que temem o segundo turno. Ao contrário. Lula derrotará Bolsonaro em quantos rounds houver. Mas por que é melhor decidir logo no primeiro turno? Porque o eleito terá um mês a mais para montar a transição e discutir uma agenda de emergência para 2023. Bolsonaro entregará a Lula um País em ruínas em todos os aspectos: economicamente quebrado, politicamente desestruturado e institucionalmente desmontado.
O que acha da proposta de Lula de pôr fim ao teto de gastos?
O homem é ele e sua circunstância. O teto era a única solução no momento em que foi implantado, quando eu ainda estava na presidência do Senado, uma saída responsável. Hoje, com o País quebrado, sem investimentos, vivendo praticamente de pagar o custeio, há a exigência de mais criatividade. Não sou economista e não gosto de grilar funções alheias. No regime presidencialista, os planos são do Executivo e, quando chegam ao Legislativo, podem e devem ser aprimorados.
Se vencer, Lula conseguirá governar sem o Centrão, que, hoje, está ao lado de Bolsonaro, ou haverá uma recomposição?
Os partidos de centro sempre existiram e continuarão existindo. Não se pode negar o óbvio ou mentir como bolsonaristas, que, antes, cantavam “se gritar ‘pega Centrão’, não fica um, meu irmão’’’, comparando o grupo a ladrões, e, depois, cederam todas as joias da coroa para a fisiologia. Lula, suponho, terá uma relação programática, sem gavetas escuras como o orçamento secreto e segredos centenários sobre tudo que incomoda ou é suspeito.
O sr. crê numa reaproximação entre Lula e Arthur Lira ou aposta que o petista apoiaria outro nome na corrida pelo comando da Câmara?
Seria temerário falar disso sem saber a grandeza das bancadas da Câmara. A proporcionalidade é um dos critérios de largada para essa conversa. Isso só estará mais visível após 2 de outubro. Alagoas foi a campanha mais nacionalizada do País. Aqui, a fronteira entre Lula e o bolsonarismo é nítida. Me orgulho de apoiar o presidente que cria empregos, aumenta o PIB, elimina a fome, distribui renda e tem inúmeros programas para os pobres. Lira anuncia aqui ser o mais bolsonarista de todos. O único programa dele é o orçamento secreto. O presidente da Câmara é um golpista anão do laboratório bolsonarista.
Do outro lado do Congresso, o sr. pretende concorrer à presidência do Senado?
Não cogito disputar.
Aceitaria, então, algum ministério?
Quero fazer minha parte onde for necessário. Quero ajudar.
Como destravar a Reforma Tributária no Senado?
Um milagre. Desde a promulgação da Constituição, foram criados inúmeros grupos e comitês para avançar na simplificação dos tributos, reduzir a carga e aumentar a base contributiva. Essa é uma gênese aparentemente simples. Vivemos sob um injusto centralismo fiscal, onde a União fica com quase tudo e repassa migalhas aos estados.