09/09/2022 - 9:30
Que a nova Constituição proposta para o Chile pudesse ser rejeitada no plebiscito de domingo, 4, estava dentro do previsto. Mas os 61,8% de votos surpreenderam. Representaram um banho de água fria para a esquerda e deram aval à permanência de leis que datam da violenta ditadura de Augusto Pinochet (de 1973 a 1990). Para Flavia Loss, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o robusto “não” à proposta se deu por uma série de fatores, mas a raiz esteve na falta de comunicação, que abriu brecha para as fake news da extrema-direita. Como consequência, o presidente Gabriel Boric, de 36 anos, já foi obrigado a mudar seis ministros, contemplando o centro e políticos mais experientes, e precisará negociar cada proposta que enviar ao Parlamento – onde seu governo não tem maioria.
Depois da revolta popular por mais justiça social em 2019, 80% dos chilenos votaram a favor de uma Assembleia Constituinte. Ocorre que, com a pandemia, a população mais idosa ficou em casa, ao contrário de agora, quando o voto foi obrigatório. Compareceram ao plebiscito 4,5 milhões a mais, com abstenção abaixo de 15% do total de 15,1 milhões aptos a votar. Para Loss, houve associação estreita da nova Constituição com o governo esquerdista por aqueles que já haviam votado contra Boric para a Presidência. E a direita retomou o fôlego.

O mais provável é que apenas uma minoria tenha lido os 388 artigos da nova Constituição, com itens voltados ao social, ainda que excêntricos, e seria uma das mais extensas do mundo. Os constituintes também não se preocuparam em explicar detalhes aos eleitores. Uma das polêmicas envolvia o conceito de plurinacionalidade, o que levou a informações falsas de que as 11 nações indígenas iriam infringir preceitos nacionais e internacionais, ou haveria confisco geral de bens e estatização total de empresas. Com isso, o país deixou de fazer mudanças históricas que estabeleceriam direitos iguais para homens e mulheres e dariam garantia de educação, saúde pública e aposentadoria.
Loss diz que a esquerda não dialogou com a faixa etária mais idosa e com o eleitor médio, que é centrista. “A aposta foi por uma Constituição gigante que dava mais garantias para os cidadãos, mas sob risco de não conquistar o mínimo. E aconteceu. Querer muito resultou em nada e os chilenos ficaram na mesma, com a Constituição do Pinochet.”