O novo governo deve aproveitar o “período de ouro” dos primeiros seis meses de mandato para aprovar reformas estruturantes, diz o empresário e ex-diretor de relações internacionais da FIESP Roberto Giannetti da Fonseca. Aos 72 anos, o economista, que se dedica a sua consultoria Kaduna, diz que a Reforma Tributária é inadiável e deveria ser uma prioridade para o próximo governo. Fonseca se mostra otimista com a nova administração e espera que Lula anuncie um time de economistas e técnicos renomados. Ele diz que tem a expectativa de que o próximo presidente tenha o mesmo comportamento de seu primeiro mandato, quando demonstrou responsabilidade fiscal, manteve o câmbio flutuante e o regime de metas de inflação. O especialista alerta que o próximo ano será desafiador com a alta de inflação nos países desenvolvidos, seguida da alta de juros, que pode inclusive levar a uma crise financeira global. O cenário turbulento pode ter repercussões no Brasil com a queda nos preços de commodities agrícolas e minerais, mas o País escapará de uma nova crise da dívida, ao contrário dos anos 1980, afirma.

Qual sua expectativa para o governo Lula em relação à economia?
Espero que o presidente eleito anuncie um time de economistas e técnicos renomados para os postos-chaves dos ministérios econômicos e sociais. E que atue como no seu primeiro mandato, de 2003 a 2006, com responsabilidade fiscal, metas de inflação e regime de câmbio flutuante. São os três pilares de uma política macroeconômica confiável. A base do crescimento econômico é a confiança dos investidores e dos consumidores numa política econômica responsável. Já uma ação intervencionista e estatizante traria incerteza e insegurança jurídica. Acho muito importante que haja uma reaproximação com o setor de agronegócio.

Qual cenário o novo governo vai enfrentar em 2023?
A economia brasileira e mundial ainda apresenta um alto grau de imprevisibilidade para 2023, mesmo a menos de dois meses para o final do ano. No plano interno predomina principalmente a indefinição da política econômica e social a ser adotada pelo novo governo. No plano externo, temos os impactos da guerra da Ucrânia, sem prazo para terminar, e de um possível agravamento das tensões geopolíticas com a Rússia. O que é possível afirmar neste momento é que os indicadores econômicos brasileiros seguem relativamente positivos, com crescimento razoável, inflação com tendência de queda e resultados fiscais e de balanço de pagamentos em posição confortável. Mas isso tem importância relativa em meio aos elevados riscos globais e locais para o próximo ano.

O que poderia ser feito de imediato para melhorar a economia já em 2023?
Precisamos com urgência resgatar a confiança dos investidores e consumidores. Nos primeiros seis meses de mandato há uma janela de oportunidade para a aprovação de mudanças estruturantes. Todos os esforços deveriam se concentrar na aprovação da Reforma Tributária. O vice eleito, Geraldo Alckmin, que tudo indica deverá ter um papel relevante na coordenação da equipe, tem dito com muita assertividade que uma agenda de competitividade é central para o plano de governo. A desburocratização, a digitalização, a educação básica de qualidade, a logística e a infraestrutura, além do crescimento inclusivo, por exemplo, são temas essenciais para voltar a crescer.

Há o risco de descontinuidade de algumas políticas que deram certo no governo Bolsonaro?
Um governante que age como um verdadeiro estadista, e não movido por negação dos adversários ou por preconceito ideológico, não deveria descontinuar políticas que tenham dado resultados positivos. Por exemplo, a lei de liberdade econômica foi um dos pontos altos da gestão Bolsonaro, trazendo uma série de benefícios de desburocratização e redução do custo Brasil. A privatização da Eletrobrás também foi bem concebida e promovida, e deveria ser preservada. A condução do Banco Central independente tem sido impecável. O risco fiscal foi agravado neste segundo semestre devido aos inúmeros benefícios, mas segue em nível razoável.

O fim do teto de gastos é praticamente certo com o governo Lula. Qual será a consequência?
Esta discussão do teto de gastos tem bons argumentos dos dois lados, mas efetivamente acho que o ponto de equilíbrio seria mantê-lo para preservar um limite máximo de gastos correntes pelo setor público, mas excluir deste limite os investimentos públicos, de forma a restituir alguma margem de manobra à nova administração. O setor produtivo pede mais iniciativas que promovam um ambiente econômico mais atrativo para o investimento privado, especialmente diante da recente contração dos investimentos em infraestrutura.

As benesses eleitorais do atual governo, como a ampliação do Auxílio Brasil para R$ 600 ou a redução do preço dos combustíveis, terão consequências fiscais?
Existe uma crescente incerteza se essas benesses eleitorais e a redução de impostos sobre combustíveis serão mantidas. Do ponto de vista fiscal, será necessário revisar essas contas diante do Orçamento que entra em vigor em janeiro. Durante a campanha, Lula afirmou que iria manter o Auxílio Brasil em R$ 600. Lembrando aqui que este dinheiro irriga as contas de aproximadamente 21 milhões de famílias pobres. O Orçamento, entretanto, estipula apenas R$ 405.

Lula conseguirá ampliar esse valor?
Na verdade essa decisão vai depender de apoio de deputados e senadores. Acredito que esse discurso eleitoral é por enquanto uma mera manifestação de intenção, que só será ratificada em 2023. Quanto aos combustíveis, temos outra grande polêmica. Do ponto de vista de reversão da inflação, a redução da carga tributária teve um papel fundamental, mas tem um elevado custo fiscal, que talvez não seja suportável.

A inflação ainda será um problema em 2023?
O fenômeno inflacionário atual é mundial e complexo. No mundo todo sobem os preços de energia e de alimentos, por razões diversas. A contaminação externa é inevitável, mesmo que por aqui tenhamos conseguido amenizar a inflação ascendente com desonerações tributárias temporárias. Além dos juros elevados, o que poderá também colaborar para reduzir o viés inflacionário, é uma menor volatilidade cambial a partir da da redução das incertezas sobre a política econômica para 2023. A combinação adequada de uma política fiscal e monetária ativa pode assegurar uma gradual queda da inflação.

A polarização política vai continuar?
A tendência é que haja uma amenização dos ânimos após as eleições, mas há hoje uma nítida divisão política e ideológica. Como disse o presidente eleito na comemoração de sua eleição, “não há dois Brasis, somos um só povo”. A governabilidade será um desafio imenso para o próximo presidente. O relacionamento do Executivo com o Legislativo e o Judiciário não deverá continuar tão tenso e conflitivo. Acredito que o presidente eleito deverá buscar um dialogo mais construtivo e respeitoso com os Poderes.

Depois de Bolsonaro, será necessário reconstruir os laços internacionais? O meio ambiente é fundamental para isso?
Este é um ponto fundamental de mudança que deveremos assistir a partir de janeiro. A política externa deverá ser muito proativa e assertiva na reinserção do Brasil nos principais fóruns internacionais. Nos últimos quatro anos houve uma ausência no cenário internacional e uma nítida deterioração da imagem do País. O descaso com a pandemia e com a preservação do meio ambiente foi a principal causa. O Brasil tem um excepcional quadro de diplomatas que poderia agir, desde que haja uma política articulada em temas como redução do desmatamento na Amazônia, combate à miséria e redução das desigualdades.

Como ficará a entrada na OCDE e o acordo Mercosul-União Europeia?
É preciso lembrar que o atual governo já entregou à OCDE no dia 30 de setembro um memorando indicando o alinhamento de legislações, políticas e práticas nacionais segundo os padrões estabelecidos para a entrada de novos membros, no qual estão relacionadas 32 áreas que incluem comércio, investimento, energia, economia digital, saúde, educação, meio ambiente, concorrência etc. A adesão do Brasil poderá ser muito positiva para a economia brasileira como um todo. No governo Lula, creio que a evolução deste tema vai depender muito da escolha de sua equipe econômica e de relações exteriores. Não vejo isso como uma questão dogmática, pois acredito que Lula seja pragmático e intuitivo. Ele saberá ponderar os custos e benefícios das opções de adesão à OCDE bem como de avançar na implementação do Acordo Mercosul-União Europeia, paralisado desde 2020. Lembrando que os atuais líderes europeus têm muita simpatia por Lula.

O novo Congresso, com maioria de direita, será um problema para o presidente Lula?
Com um perfil mais conservador, o novo Congresso poderá representar um forte desafio político. Creio que Alckmin, hábil negociador político, com uma longa carreira no executivo paulista e no Legislativo Federal, poderá ser também de grande valia neste caso. Seu perfil conciliador e de centro permitirá buscar uma frente ampla de apoio. Os parlamentares têm uma perfeita noção da importância dos primeiros seis meses como temporada de ouro para a realização de reformas.

Há chance de ocorrerem reformas já em 2023?
Sim, algumas reformas são inadiáveis. A começar pela Reforma Tributária, visando a simplificação da miríade de impostos que temos hoje, mas também uma redistribuição menos regressiva da carga tributária, com maior ênfase na renda do que no consumo. Existem vários projetos de Lei no Congresso que precisam ser votados em regime de urgência, como aquele que agrava as penalidades sobre o sonegador contumaz e responsabiliza solidariamente quem dele adquire produtos ou serviços numa atitude de conivência.

O mundo está se dirigindo para uma recessão no futuro próximo?
A economia mundial em 2023 enfrentará grandes desafios. A inflação nos países desenvolvidos segue em patamar elevado e o mercado de trabalho anda bastante aquecido. Começam a aparecer sinais de que a súbita e aguda alta de juros nesses países poderia trazer riscos à estabilidade financeira global. O impacto nas economias emergentes torna-se inevitável. Os preços de commodities agrícolas e minerais tendem a cair, ao mesmo tempo em que os juros internacionais agravam a dívida externa dos países mais endividados. O fantasma da crise da dívida externa dos anos 80 volta a circular, só que não para o Brasil, desta vez.