MÃE JUDIA Outro Lugar, de Ayelet Gundar-Goshen: a culpa no centro da trama

A literatura judaica confunde-se com a própria história do homem. Escritos religiosos e laicos têm sido produzidos no Oriente Médio há mais de dois mil anos, bem antes das fronteiras desenhadas no período pós-Segunda Guerra que ainda geram tantas tensões entre os povos da região. Não há homogeneidade entre essas obras, uma vez que a produção cultural da diáspora é tão vasta como diversa entre si. A única certeza é que, de Franz Kafka a Philip Roth, parte significativa da arte literária do século 20 tem autores judeus entre seus maiores nomes.

É possível apontar características comuns em autores israelenses publicados recentemente no Brasil. Embora sejam de gerações diferentes – alguns deles, inclusive, têm carreira mais longeva que o próprio Estado de Israel –, a presença de temas ligados à memória e ao ativismo político voltado ao humanismo revela um movimento uniforme que os une.

Ayelet Gundar-Goshen é a mais jovem entre eles. Seu novo livro, Outro Lugar, é narrado do ponto de vista de Lilach Shuster, imigrante israelense que vive no Vale do Silício, nos EUA. Seu filho, Adam, é um dos melhores alunos da escola, até que se envolve em um episódio que leva à morte o seu colega de classe, o afro-americano Jamal Jones. Qual a parcela de culpa de seu filho? As recordações sobre a vida pregressa e o posicionamento contra os preconceitos são temas que permeiam toda a obra.

HUMOR O Túnel, de A.B. Yehoshua: analogias entre as lembranças e a capacidade mental (Crédito:Leonardo Cendamo)

 

Divulgação

A.B. Yehoshua nasceu em Jerusalém, em 1936, na quinta geração de uma família de judeus sefarditas. Morreu em junho desse ano, pouco depois do lançamento de O Túnel, um de seus melhores trabalhos. Na trama, o engenheiro Tzvi Luria, de 70 anos, é diagnosticado com princípio de demência. O romance faz analogias entre as lembranças e a capacidade mental, até o ponto em que não se sabe mais qual das duas é mais importante para a definição da identidade. Dono de um humor mordaz e crítico, a abordagem fraterna de Yehoshua revela a preocupação com os problemas sociais do povo palestino.

O conflito com Israel é o grande protagonista da maioria dos livros de autores palestinos

O terceiro autor dessa leva de excelentes lançamentos é David Grossman, autor do premiado O Inferno dos Outros, vencedor do Booker Prize. O escritor nascido em Jerusalém lança agora A Vida Brinca Muito Comigo, trama que fala sobre três gerações de uma família. Em uma viagem à Croácia, as personagens compartilham segredos que as obrigará a lidar com os traumas da política israelense para poder seguir em frente. Não deixa de ser uma metáfora da literatura de seu país: enquanto um olho vislumbra o futuro, o outro não esquece o passado.

TRAUMAS A Vida Brinca Muito Comigo, de David Grossman: fantasmas do passado (Crédito:Divulgação)

Arte sob ocupação

Embora também seja milenar, a literatura produzida em território palestino ainda não é tão popular no Brasil. Seus representantes mais expressivos, porém, acabam de ter obras publicadas no País. O escritor de maior renome é Mahmud Darwich, autor de Memória para o Esquecimento. É sua terceira obra lançada pela editora Tabla em menos de um ano, após Da Presença da Ausência e Onze Astros. O livro se passa em um dia de 1982, durante o bombardeio de Israel sobre Beirute, cidade do Líbano em que Darwich viveu durante seu exílio. Nascido na vila palestina de Al-Birwa, em 1941, o escritor era criança na época em que o Estado de Israel foi criado (1948). A crítica à ocupação israelense é presença constante em quase todos os seus 30 livros. Darwich, que faleceu em 2008, foi membro efetivo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), grupo com atuação social e paramilitar liderado por Yasser Arafat. A luta de seus personagens para manter a rotina em meio ao conflito é uma demonstração de resistência. A Tabla também acaba de lançar O Pequeno Lampião, de Ghassan Kanafani. O livro infantil foi inspirado em uma história que ele contava para sua sobrinha, e narra o sonho de uma jovem princesa que, para se tornar rainha, precisa levar o sol para dentro do palácio. O autor, no entanto, tem uma obra bem mais ampla e também foi um importante ativista político – ele é cofundador da Frente Popular para a Libertação da Palestina, um dos partidos que integravam a OLP. Publicou ao todo 18 livros, mas é ainda mais conhecido por sua produção jornalística, que lhe rendeu o apelido de “A Voz da Palestina”.

PORTA-VOZ Memória para o Esquecimento, de Mahmud Darwich: a rotina como forma de resistência (Crédito:Divulgação)