25/03/2021 - 9:30
A crise fora de controle na Saúde, que já custou mais de 300 mil vidas e atingiu a marca tenebrosa de cerca de três mil óbitos diários, colocou o Brasil como epicentro mundial da pandemia. E está levando Jair Bolsonaro às cordas. O presidente é pressionado pelos aliados do Centrão no Congresso, que tentam evitar a criação da CPI da Covid. Para tentar retomar “a narrativa da crise”, o mandatário tentou na semana passada lançar sua última cartada: criar uma “aliança nacional” para lidar com a emergência. Para fazer essa costura, Bolsonaro escalou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM). Ele comunicou que Bolsonaro estaria disposto a criar um “pacto” entre chefes de todos os poderes para tentar reverter o quadro da crise sanitária. Absurdamente, pretendia isso enquanto o País tinha dois ministros da Saúde. Ou seja: nenhum. O novo titular, Marcelo Queiroga, só foi empossado na terça-feira 23, em discreta cerimônia fora da agenda.
A reunião ocorreu um dia depois no Palácio da Alvorada, e foi recebida com ceticismo. Afinal, o presidente é o principal “motor” da crise com sua atitude negacionista e beligerante contra os gestores regionais. Pacheco tentou contemporizar e declarou depois do encontro: “Essa união significa um pacto nacional liderado por quem a sociedade espera que lidere, que é o presidente da República, Jair Bolsonaro”. O presidente do Senado disse mais: “Medidas precisam ser urgentemente tomadas, e sob a liderança política de Bolsonaro, nesse pacto nacional”. Segundo Pacheco, é importante a “liderança técnica”, contundente e urgente do Ministério da Saúde por intermédio do ministro Marcelo Queiroga. As declarações tentaram dar protagonismo ao presidente, que perdeu o controle da situação, e a falta de apoio é evidente.
“Essa união significa um pacto nacional liderado por quem a sociedade espera que lidere, que é o presidente da República” Rodrigo Pacheco, presidente do Senado
Apenas seis governadores aliados compareceram. A grande maioria sequer foi convidada. Mesmo assim, os chefes dos executivos estaduais levaram uma série de demandas, dentre as quais orientar a adesão das medidas restritivas em todo o Brasil. Outra cobrança foi pela maior celeridade na vacinação. Pessoas que participaram do encontro, afirmaram que houve divergências, como a adoção do lockdown em larga escala. Provando que a iniciativa “conciliatória” já surgiu fracassada, Bolsonaro voltou a defender o tratamento precoce, que a ciência não aprova.
A proposta de criação de um “comitê de crise” foi, na prática, imposta por Pacheco, e mostra como o Centrão começa a praticar uma intervenção branca no governo. O presidente do Senado ficará responsável pela montagem do comitê e diálogo com os governadores. O “acordão” pretende aliviar a pressão que Bolsonaro recebe de todos os lados. Para além da perda de apoio no Congresso, o presidente assiste ainda à queda significativa de sua popularidade. Pronunciamentos em rede nacional não têm recuperado sua imagem. No mais recente, realizado um dia antes da reunião, Bolsonaro foi alvo de panelaço em cidades de, pelo menos, 16 estados. Tentou, na ocasião, dar um cavalo de pau na gestão da Saúde, colocando a vacinação como prioridade.
PANELAÇOS
No pronunciamento da terça-feira 23, o presidente foi alvo de protestos em pelo menos 16 estados
Em sua fala, foi obrigado a fazer sinalizações com as quais não concorda, mentiu sobre ações do governo na pandemia e disse que 2021 será “o ano da vacinação”. Enquanto Bolsonaro distorcia dados em horário nobre, muitas pessoas foram às janelas para chamar o presidente de “genocida”. Na sociedade, a insatisfação contra o presidente também cresce. Economistas, banqueiros e empresários elaboraram manifesto para pressioná-lo a mudar de atitude. Na segunda-feira 22, uma carta aberta com mais de 1,5 mil assinaturas pedia medidas mais efetivas no combate à pandemia. Entre os signatários estão nomes de peso do mercado financeiro, além dos ex-ministros Mailson da Nóbrega, Marcilio Marques Moreira, Pedro Malan e Rubens Ricupero. Conta ainda com as assinaturas de Afonso Celso Pastore, Armínio Fraga, Gustavo Loyola, Ilan Goldfajn e Pérsio Arida.
O STF deve colaborar, mas manterá distância do novo comitê. Luiz Fux não participará formalmente. No Congresso, muitos parlamentares, tanto da base como da oposição, não acreditam que a aliança vá gerar resultados concretos. Céticos, deputados e senadores defendem que a aliança sirva para dar um xeque-mate em Bolsonaro. “É preciso orientar o presidente a não se perder mais”, disse o deputado Fausto Pinato (PP), do Centrão. O bloco era uma das salvações de Bolsonaro para tentar barrar a CPI no Congresso, mas ele acabou perdendo apoio de parte da bancada após ignorar a indicação no processo de escolha do novo ministro da Saúde. O tempo se fecha cada vez mais para Bolsonaro.