28/04/2023 - 9:30
A notícia do estupro a parturientes e mulheres que foram fazer exames ginecológicos ou até um inofensivo tratamento dentário jogou luz para a prática de crimes sexuais em instituições de saúde, motivando a aprovação, na Câmara, de projeto (PL 81/22) que dá às pacientes o direito de indicar acompanhante durante procedimentos que requerem ou não sedação. Atualmente, a mulher já tem o direito a acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto. A proposta ainda será enviada ao Senado, mas já é considerada uma vitória pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher Grávida de sete meses a produtora de TV Drika Moraes sofreu importunação sexual do médico que a atendeu para fazer um exame de ultrassom. Um momento de extrema importância e valor afetivo para a mulher, que foi violado. “É tão difícil a gente compreender o que está acontecendo. Eu, grávida, deitada de barriga para cima, e ele começou a roçar o seu órgão genital em mim; quanto mais eu afastava, mais ele vinha tentando se encostar. Saí de lá me sentindo um lixo e depois disso nunca mais fui a qualquer exame desacompanhada”, relembra. “Nunca consegui denunciar por vergonha, nojo e receio de colocarem em dúvida a minha palavra”, completa.Dados do Ministério da Mulher mostram que 373 mulheres foram abusadas sexualmente em unidades de saúde no período de 2020 a maio de 2022 e, de acordo com a ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos do governo federal, desde 2020, a cada dois dias, uma mulher denunciou abuso sexual dentro de estabelecimento de saúde.
A grande maioria das mulheres ainda sente muita dificuldade, constrangimento em relatar dos abusos que já sofreram, principalmente quando envolve um espaço que deveria ser de saúde e cuidado. Com a influenciadora digital Cris Silva, foi diferente. Brasileira que mora nos EUA, veio passar férias no Rio de Janeiro e aproveitou para fazer um check-up, e entre os exames estavam os ginecológicos, como o ultrassom transvaginal, que ela ainda não tinha feito. Por isso, não sabia ao certo como era o procedimento. “Fiquei na dúvida se o que eu sentia era realmente o que estava acontecendo ou se era coisa da minha cabeça. Pensava: mas ele é médico, não é possível que esteja fazendo isso”, conta. Após perceber que o toque que era realmente fora do padrão, tentou sair da maca, mas o radiologista a segurou pelos braços impedindo que descesse. “Ele queria que eu descesse pelo lado que estava, para sentar no colo dele”, relembra.
Cris precisou brigar com o médico para conseguir sair da sala. Somente depois de a enfermeira interromper o exame por duas vezes, por conta da demora, ela conseguiu sair e denunciar o ocorrido. “Ele só me soltou quando bateram na porta, nessa hora consegui me soltar e ir ao banheiro colocar minha roupa. Na segunda vez que a moça bateu na porta, ela saiu deixando a porta entreaberta, e foi aí que corri e pedi ajuda”. A influencer denunciou o radiologista Martin Gomes de Souza Neto e ele foi preso. Depois de sua denúncia, mais vítimas apareceram para denunciá-lo.
De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), entre 2015 e 2021, 177 casos de abuso sexual foram denunciados às autoridades do Rio, o que equivale, em média, a uma pessoa abusada em uma unidade de saúde a cada duas semanas, ao longo dos últimos sete anos.
“Saí de lá bem abalada e até hoje não tenho coragem de ir a consultas” Julia Ventura, tatuadora
“Vítimas de violência sexual têm direito a atendimento obrigatório e gratuito no minuto seguinte à agressão, conforme a Lei do Minuto Seguinte, que considera violência sexual qualquer forma de ato sexual não consentido. A lei garante que hospitais da rede pública ofereçam às vítimas atendimento emergencial, integral e multidisciplinar”, explica Antilia Reis, advogada especializada em vítimas de violências, abusos e discriminações.

Levantamento feito pelo site Intercept mostra que somente em nove estados brasileiros foram registrados 1.734 casos do tipo, entre 2014 e 2019. São 1.239 registros de estupros e 495 de casos de assédio, violação sexual mediante fraude, atentado violento ao pudor e importunação ofensiva ao pudor.
Os números retratam uma realidade estarrecedora e ameaçadora para qualquer mulher. A tatuadora Julia Ventura sempre desejou ser mãe e por ter um histórico familiar de problemas gestacionais decidiu passar em um ginecologista. Pelo fato de não ser uma mulher estereotipada, ela foi agredida verbalmente e depois sofreu violência durante o exame vaginal. “Sou lésbica, acho que isso deu algum aval para o médico fazer alguns comentários infelizes e machistas. Fui à consulta para saber se poderia engravidar e o médico começou a falar que meus genes não eram ‘apropriados’, pela minha condição genética de sexualidade”, relembra. Rotular essas experiências indesejáveis geralmente é um processo gradual e um dos principais sinais do transtorno de estresse pós-traumático é evitar emoções e comportamentos que possam lembrar o trauma. “Comecei a fazer o exame físico e senti ele me tocando diferente e com certa violência. Saí de lá bem abalada e até hoje não tenho mais coragem de ir a consultas”, relata.
As histórias por trás dos números surpreendentemente altos mostram uma das principais razões pelas quais a agressão sexual geralmente não é imediatamente denunciada: é comum que as vítimas precisem de tempo para entender o que aconteceu com elas. Com a nova lei, a mulher pode ter um respaldo psicológico e de segurança para que fatos assim possam não acorrer mais.