Apesar de ter anunciado há um ano que a Alemanha abandonaria sua posição histórica pacifista, Olaf Scholz resistia a liberar para os aliados ucranianos uma das principais peças de seu arsenal: os tanques Leopard 2, com sofisticada tecnologia embarcada. Tudo isso mudou na última quarta-feira, quando o alemão acabou cedendo à pressão dos EUA e de países da OTAN para liberar os blindados que podem, segundo os analistas, mudar o destino do conflito.

No mesmo dia, Joe Biden anunciou o envio de 31 tanques americanos M1 Abrams. A notícia foi comemorada pelo líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, que havia renovado o apelo pelo fornecimento dos tanques “com urgência” a representantes da defesa de 50 países, reunidos no dia 20 na base americana de Ramsterin, na Alemanha. Com a anuência de Scholz, os aliados vão mandar ao ucraniano 80 tanques Leopard 2, em duas levas.

A expectativa, agora, é pela reação do presidente Vladimir Putin. Rafael Grossi, diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), disse que o envio dos Leopard 2 é um marco na guerra, que completa um ano em fevereiro. Para ele, o conflito será elevado a um patamar perigosíssimo pela expansão de manobras e ações na zona da usina nuclear Zaporizhzhia, a maior da Europa, ocupada pelos russos.

Da linha de tanques Leopard 2, desenvolvida para o exército alemão pela Krauss-Maffei a partir da década de 1970, Scholz deverá enviar 14 à Ucrânia, do modelo A6. Além da Polônia, que pressionou o premiê alemão afirmando que enviaria os tanques mesmo sem autorização, a Espanha diz que cederá “alguns” de seus mais de 300 blindados. Portugal enviará quatro de seus 37. A Holanda, que aluga 18 da Alemanha, avalia comprá-los para repassar parte aos ucranianos. Mas há países que temem ficar vulneráveis com a cessão de seus blindados. A Noruega, que tem 36 Leopard 2, não divulgou sua decisão de imediato, e a Suécia disse que vai esperar por um “estágio posterior”.

É preciso treinar os soldados ucranianos para manobrar os diversos modelos desses tanques, espalhados ainda por Reino Unido, Dinamarca, Letônia e Estônia.

A ajuda a Zelensky, no entanto, coloca seus aliados em uma situação complexa. Scholz e o presidente francês Emmanuel Macron, que haviam se reunido no dia 22 em Paris, relutavam. Macron destacou que o envio só poderia ser acionado “sob condições” e Scholz, que uma ação do tipo teria de ser “coordenada com aliados”. Além das preocupações técnico-logísticas, havia outra à sombra do governo alemão: os últimos disparos de seus tanques contra russos foram em maio de 1945, com Hitler responsável pela morte de 27 milhões deles ­­­­­­­­­­­­­­­— daí o temor que essa exposição política, depois de 77 anos de paz, se torne arma poderosa de propaganda para Putin.

APOIO Representantes da defesa de 50 países ouviram apelo de Zelensky em reunião na Alemanha (Crédito:Michael Probst)

Logística complicada

Cada Leopard 2 custa até 7 milhões de euros e as negociações se estendem de fabricantes a clientes, justamente pelo repasse obrigatório da tecnologia utilizada. Ainda é preciso comprar os projéteis: são 42 por tanque, a 10 mil euros cada – e sem a certeza de que são capazes de penetrar os tanques russos mais modernos. Esses milhões de euros a serem acrescidos a impostos também foram motivo para dividir a opinião dos contribuintes alemães ­— e do próprio governo.

Um fator importante, além da logística necessária para acompanhar os tanques com combustível e mecânicos de manutenção, é o “sobrepeso” desses Leopard 2, que vão de 55 a 62 toneladas. Estradas, pontes e ferrovias da Ucrânia foram projetadas para aguentar veículos ­­— ironicamente, tanques russos — de 44,5 ou 46,5 toneladas, como os T-90 que estão sendo usados pelos soldados de Putin. Os Leopard 2 podem arrebentar as estradas e não passar por pontes. Por isso, vão precisar ser acompanhados por outra coluna — de engenheiros e construtores.

Os Leopard 2 que vão à Ucrânia

55 A 62 toneladas é seu peso, que pode ser um problema

7 milhões de euros é o custo de cada um

80 serão enviados à Ucrânia, em duas levas

E no caso da Rússia capturar um desses tanques, com toda a sofisticada tecnologia que têm embarcada, o prejuízo seria reverso, como explica Juliano Cortinhas, professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB e especialista em Defesa Nacional. “Uma coisa é mandar peças de artilharia. Outra, bem diferente, é mandar esses blindados e ficar vulnerável em uma guerra de softwares. Até que ponto é interessante abrir esses controles para a Rússia, ou mesmo para a própria Ucrânia?”

São várias as dinâmicas de cálculo. E as apostas, muito complexas, avalia Cortinhas. Para ele, esses tanques não garantem a vitória da Ucrânia, porque há 11 meses os dois lados confirmam sua capacidade de resistência. Mesmo que Zelensky vença, observa, esses equipamentos vão ficar por lá, e é preciso lembrar do erro dos EUA na invasão do Afeganistão e do Iraque, que tiveram soldados treinados pela própria CIA e depois se converteram em Talibã e Al Qaeda. “No pós-guerra da Ucrânia haverá desdobramentos. E o país não é uma democracia plena e estável, pelo contrário. Tem vários grupos em conflito, muitos deles extremistas, até pró-Russia. Pior: estarão muito bem armados.”

URGÊNCIA Volodymyr Zelensky cobrou tanques de aliados para vencer a Rússia (Crédito:Divulgação)