27/01/2023 - 9:30
Apesar de ter anunciado há um ano que a Alemanha abandonaria sua posição histórica pacifista, Olaf Scholz resistia a liberar para os aliados ucranianos uma das principais peças de seu arsenal: os tanques Leopard 2, com sofisticada tecnologia embarcada. Tudo isso mudou na última quarta-feira, quando o alemão acabou cedendo à pressão dos EUA e de países da OTAN para liberar os blindados que podem, segundo os analistas, mudar o destino do conflito.
No mesmo dia, Joe Biden anunciou o envio de 31 tanques americanos M1 Abrams. A notícia foi comemorada pelo líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, que havia renovado o apelo pelo fornecimento dos tanques “com urgência” a representantes da defesa de 50 países, reunidos no dia 20 na base americana de Ramsterin, na Alemanha. Com a anuência de Scholz, os aliados vão mandar ao ucraniano 80 tanques Leopard 2, em duas levas.
A expectativa, agora, é pela reação do presidente Vladimir Putin. Rafael Grossi, diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), disse que o envio dos Leopard 2 é um marco na guerra, que completa um ano em fevereiro. Para ele, o conflito será elevado a um patamar perigosíssimo pela expansão de manobras e ações na zona da usina nuclear Zaporizhzhia, a maior da Europa, ocupada pelos russos.
Da linha de tanques Leopard 2, desenvolvida para o exército alemão pela Krauss-Maffei a partir da década de 1970, Scholz deverá enviar 14 à Ucrânia, do modelo A6. Além da Polônia, que pressionou o premiê alemão afirmando que enviaria os tanques mesmo sem autorização, a Espanha diz que cederá “alguns” de seus mais de 300 blindados. Portugal enviará quatro de seus 37. A Holanda, que aluga 18 da Alemanha, avalia comprá-los para repassar parte aos ucranianos. Mas há países que temem ficar vulneráveis com a cessão de seus blindados. A Noruega, que tem 36 Leopard 2, não divulgou sua decisão de imediato, e a Suécia disse que vai esperar por um “estágio posterior”.
É preciso treinar os soldados ucranianos para manobrar os diversos modelos desses tanques, espalhados ainda por Reino Unido, Dinamarca, Letônia e Estônia.
A ajuda a Zelensky, no entanto, coloca seus aliados em uma situação complexa. Scholz e o presidente francês Emmanuel Macron, que haviam se reunido no dia 22 em Paris, relutavam. Macron destacou que o envio só poderia ser acionado “sob condições” e Scholz, que uma ação do tipo teria de ser “coordenada com aliados”. Além das preocupações técnico-logísticas, havia outra à sombra do governo alemão: os últimos disparos de seus tanques contra russos foram em maio de 1945, com Hitler responsável pela morte de 27 milhões deles — daí o temor que essa exposição política, depois de 77 anos de paz, se torne arma poderosa de propaganda para Putin.

Logística complicada
Cada Leopard 2 custa até 7 milhões de euros e as negociações se estendem de fabricantes a clientes, justamente pelo repasse obrigatório da tecnologia utilizada. Ainda é preciso comprar os projéteis: são 42 por tanque, a 10 mil euros cada – e sem a certeza de que são capazes de penetrar os tanques russos mais modernos. Esses milhões de euros a serem acrescidos a impostos também foram motivo para dividir a opinião dos contribuintes alemães — e do próprio governo.
Um fator importante, além da logística necessária para acompanhar os tanques com combustível e mecânicos de manutenção, é o “sobrepeso” desses Leopard 2, que vão de 55 a 62 toneladas. Estradas, pontes e ferrovias da Ucrânia foram projetadas para aguentar veículos — ironicamente, tanques russos — de 44,5 ou 46,5 toneladas, como os T-90 que estão sendo usados pelos soldados de Putin. Os Leopard 2 podem arrebentar as estradas e não passar por pontes. Por isso, vão precisar ser acompanhados por outra coluna — de engenheiros e construtores.
Os Leopard 2 que vão à Ucrânia
55 A 62 toneladas é seu peso, que pode ser um problema
7 milhões de euros é o custo de cada um
80 serão enviados à Ucrânia, em duas levas
E no caso da Rússia capturar um desses tanques, com toda a sofisticada tecnologia que têm embarcada, o prejuízo seria reverso, como explica Juliano Cortinhas, professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB e especialista em Defesa Nacional. “Uma coisa é mandar peças de artilharia. Outra, bem diferente, é mandar esses blindados e ficar vulnerável em uma guerra de softwares. Até que ponto é interessante abrir esses controles para a Rússia, ou mesmo para a própria Ucrânia?”
São várias as dinâmicas de cálculo. E as apostas, muito complexas, avalia Cortinhas. Para ele, esses tanques não garantem a vitória da Ucrânia, porque há 11 meses os dois lados confirmam sua capacidade de resistência. Mesmo que Zelensky vença, observa, esses equipamentos vão ficar por lá, e é preciso lembrar do erro dos EUA na invasão do Afeganistão e do Iraque, que tiveram soldados treinados pela própria CIA e depois se converteram em Talibã e Al Qaeda. “No pós-guerra da Ucrânia haverá desdobramentos. E o país não é uma democracia plena e estável, pelo contrário. Tem vários grupos em conflito, muitos deles extremistas, até pró-Russia. Pior: estarão muito bem armados.”
