08/07/2022 - 9:30
Há alguns dias, pela primeira vez no Brasil, a Polícia Federal realizou uma ação de busca e apreensão em uma plataforma no metaverso, no âmbito da Operação 404, de combate a crimes cibernéticos. Semanas atrás uma militante da ONG internacional SumOfUs denunciou que seu avatar sofreu assédio sexual na Horizon World, plataforma da Meta, dona do Facebook. Em fevereiro, a psicóloga inglesa Nina Jane Patel, de 43 anos, relatou outra experiência terrível do mesmo tipo na Horizon em que foi assediada por quatro avatares masculinos de maneira insistente e violenta durante três minutos. Nina diz que sua projeção digital foi tocada de forma inadequada e entrou em pânico.
O novo ambiente de realidade virtual mal começa a se estruturar e as transgressões já aparecem, com gente querendo driblar o sistema ou usá-lo de maneira ilegal. Um largo campo para a criminalidade se abre e vai desafiar a Justiça daqui para frente. Ainda que o mundo paralelo não surja como uma terra de ninguém – são lugares controlados, sob responsabilidade de empresas que serão denunciadas por falhas de governança – inúmeros crimes que acontecem no mundo real se reproduzirão virtualmente e sofrerão penalidades nas realidades física e digital. Se o avatar representa uma pessoa natural, seus direitos e deveres tenderão a se afinar entre os dois espaços.
“O metaverso é mais dinâmico do que a internet, tem mais sensação e emoção, mas a maioria das questões civis e penais será comum”, afirma o advogado Renato Opice Blum, especialista em direito digital. Para ele, a discussão sobre os limites legais do metaverso tende a aumentar muito a partir de agora, assim como a identificação e a penalização de ilícitos. “É um ambiente que tem leis e as punições vão vir”, acrescenta. “As legislações civil e penal alcançam o metaverso.”
A segunda vida abre brechas para crimes contra a propriedade intelectual, a honra, casos de violência moral, obscenidade e o assédio. A calúnia, a infâmia e a difamação terão tratamento igual ao da vida real e da internet. A violação de direitos autorais está sendo fiscalizada. Observa-se o uso indevido de textos, vídeos, áudio e fraudes na transmissão de jogos.No caso da Operação 404, a policia identificou uma plataforma em que acontecia uma violação de direitos autorais. Também se especulou que a apreensão estaria associada a mapas e eventos digitais publicados no Microsoft Mesh, acessível aos usuários do Teams. O conteúdo estava orientado para atrair interessados na assinatura dos serviços de distribuição dos conteúdos pirateados. Outro crime que pipocará é a pornografia de vingança. Quanto ao estupro virtual, hoje, usando os recursos oferecidos nas plataformas, é possível fazer uma configuração que determine que ninguém pode chegar perto de você. “Um avatar pode te cercar e falar obscenidades, mas não pode praticar um ato sexual. Fica difícil a configuração do crime de estupro”, diz Opice Blum.
“O metaverso é um ambiente controlado por empresas e que tem leis. As punições vão vir” Renato Opice Blum, advogado especializado em direito digital
Experiência real
Com a chegada das redes 5G, a imersão no mundo virtual será drasticamente facilitada. Haverá uma importante redução de custos e mais facilidades para os usuários de games, que são as plataformas atuais no metaverso. Há várias que já funcionam orientadas para o conceito, como o Second Life, a primeira delas, criada no começo do século, a Roblox, a Fortnite ou a Decentraland. Todas promovem grandes espaços de eventos, desenvolvem negócios imobiliários e impulsionam um comércio cada vez mais pulsante.
Uma pesquisa divulgada pelo instituto Kantar Ibope Media no final do ano passado mostra que pelo menos 6% dos brasileiros que usam a internet, o equivalente a cinco milhões de pessoas, já estão habituados a tecnologias imersivas e jogam com equipamentos como óculos de realidade aumentada e cadeiras especiais. Quando se pensa na comunidade que joga só com seus celulares ou computadores esse número é multiplicado por seis, com gente absolutamente preparada para entrar no metaverso para se entreter ou participar de reuniões de negócios. Outros 50 milhões de pessoas no Brasil contam com uma rede robusta o suficiente para suportar uma segunda vida digital. Resta saber que o metaverso também será um lugar cheio de perigos.