24/04/2020 - 9:30
Nas últimas semanas uma ausência tem intrigado autoridades em todo o mundo. Desde o dia 11 de abril o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-Un, não é visto publicamente em seu país. O ditador não esteve presente nem mesmo na comemoração do aniversário de seu avô, Kim Il-Sung, fundador do regime do país, em 15 de abril. Trata-se de um feriado nacional importante para os eventos oficiais de culto à personalidade, propaganda essencial nessa ditadura socialista. Como todas as informações são controladas pelo governo, é difícil afirmar ao certo o motivo da ausência do líder. A mídia estatal se mantém em silêncio e continua publicando apenas propagandas e citações atemporais a respeito do regime e seu líder, sem citar seu estado de saúde. Organizações independentes na Coreia do Sul, porém, vão na direção oposta. Um site administrado por um desertor do país, o Daily NK, citando fontes locais, afirma que Kim Jong-Un está em estado grave em uma casa de campo em Hyangsan, no Monte Kumgang, na costa leste do país, recuperando-se de uma cirurgia cardiovascular. Ele teria passado pelo procedimento no dia 12 de abril, em um hospital local para uso exclusivo da família. Além de problemas com obesidade, Kim é diabético e sofre de hipertensão. Tem maus hábitos como consumo de bebida alcoólica, alimentação em excesso e tabagismo. O suposto excesso de trabalho teria prejudicado sua saúde nos últimos meses.

Autoridades americanas, chinesas e sul-coreanas evitaram endossar a tese de uma doença grave. “Nenhum movimento atípico dentro da Coreia do Norte foi detectado”, disse um porta-voz do presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in. O presidente dos EUA, Donald Trump, também não referendou a informação. “Só espero que ele esteja bem. Tive um relacionamento muito bom com Kim Jong-Un. Vamos ver como ele se sai. Não sabemos se os relatórios são verdadeiros”, disse. Os líderes evitam criar animosidade em um país geopoliticamente importante — seu principal aliado é a China, e ameaça continuamente os vizinhos Coreia do Sul e Japão. As informações oficiais são escassas. Pela propaganda oficial, a Coreia do Norte é um paraíso. Na realidade, trata-se de uma ditadura cruel e sangrenta. Temendo perder o poder, Kim Jong-Un já mandou assassinar um meio-irmão, que foi envenenado em um episódio tenebroso. Em relação ao novo coronavírus, por exemplo, as fontes oficiais afirmam que não há nenhum caso confirmado devido ao sucesso de o governo ter fechado as fronteiras com a China e a Coreia do Sul, países mais afetados pela pandemia.
Uma possível transição
Caso se confirme, o grave estado de saúde do ditador poderia gerar uma crise em seu regime, pois não há um descendente hábil para substituí-lo, conforme consta no documento do seu partido, o Partido dos Trabalhadores da Coreia. Essa dinastia comunista define que o poder deve seguir a linha de sucessão dos Kim. O descendente mais velho teria apenas 10 anos e, portanto, não estaria apto a sucedê-lo — a própria idade do ditador, de presumíveis 36 anos, é um mistério. A mais provável substituta seria sua irmã mais nova, Kim Yo-Jong, que já participa ativamente do governo, principalmente cuidando da imagem do irmão e organizando eventos públicos. O histórico primeiro encontro com um presidente dos EUA, em 2019, com Donald Trump, teria sido organizado por ela. Mas há obstáculos para essa transição: além de quebrar a cadeia de sucessão de “pai para filho”, ela é mulher. “Ela não é uma grande líder, e ainda o machismo e a influência do confucionismo presentes no país podem colocar em xeque a legitimidade desse possível novo governo”, diz Angelo Segrillo, coordenador do Laboratório de Estudos da Ásia (LEA) da USP.

Yo-Jong seria casada com o segundo filho do vice-marechal Choe Ryong-Hae, o oficial mais graduado do país, considerado o braço-direito de Jong-Un. Vice-presidente do Partido dos Trabalhadores e presidente da Assembleia Popular Suprema do país, Ryong-Hae também poderia liderar o novo governo. Independentemente da forma como a sucessão possa ser feita, a comunidade internacional torce para que seja pacífica. Para países vizinhos como a Coreia do Sul e o Japão, a instabilidade poderia provocar ondas imigratórias para seus territórios, gerando novas crises. Já para o resto do mundo, o grande risco se deve ao seu alto poderio militar e às armas nucleares. Afinal, a Coreia do Norte não é apenas um obscuro fóssil ideológico. É uma bomba relógio que pode explodir pelas mãos de um ditador imprevisível, que teima em desafiar o planeta.