Se Evita não existisse, os argentinos teriam de inventá-la. Nenhuma outra personagem histórica representou tão bem o drama e o fatalismo típicos do país quanto a garota que nasceu em uma família pobre, fugiu para a capital com o sonho de ser atriz e chegou à Casa Rosada após conquistar o coração do presidente Juan Perón. Como toda boa história latino-americana, porém, sua vida se encerrou com o toque de realismo fantástico que tornou os escritores da região famosos em todo o mundo.

Tomás Eloy Martínez sabia disso quando decidiu contar essa história na biografia romanceada Santa Evita, publicada originalmente em 1995. A obra ganha nova versão agora, sete décadas após a morte de Evita. Apesar de sua trajetória marcante em vida, é a morte que traça a narrativa desse clássico. O autor descreve detalhes do uso político do seu corpo, embalsamado e exposto em uma redoma de vidro durante anos. Em seu velório, grupos de crianças eram incentivados a rezar pela paz de seu espírito e pedir por milagres.

Três anos após sua morte, em 1955, o regime militar derrubou o governo Perón e a popularidade da ex-primeira dama tornou-se um problema de Estado. A posse de fotos com sua imagem era proibida e o simples uso da expressão “peronista”, punível com prisão.

Caixões fictícios

Temendo a ira popular, os militares sequestraram o corpo e o enviaram para ser enterrado em um cemitério na Itália. O destino final era segredo, e fora colocado em um envelope lacarado pelo novo presidente, o general Eugênio Aramburu. Seu advogado tinha instruções para divulgar a informação somente após sua morte. Para confundir os investigadores, outros três caixões fictícios foram enviados a embaixadas argentinas em outros países europeus. Em 1970, os Monteneros, grupo de guerrilheiros de esquerda, sequestraram Aramburu para obter informações. Sem sucesso, executaram o militar. Em 1974, sequestraram o corpo de Aramburu e exigiram que a família entregasse o de Evita em troca. Ela foi finalmente devolvida aos argentinos e enterrada no Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, onde descansa até hoje.