07/10/2022 - 9:30
A corrida eleitoral de 2022 comprova que presidentes vêm e vão, mas o Centrão fica no poder. Impulsionado pela superbancada do PL, o bloco manteve ascendência sobre a Câmara, com 273 assentos, e pavimenta o caminho para ampliar sua força a partir da fusão entre Progressistas e União Brasil. Com o domínio da Casa garantido, o grupo vai seguir ditando os rumos da pauta e conservará em suas mãos as chaves dos cofres. Lideranças, aliás, já afirmam publicamente que, independentemente do resultado da disputa pelo Palácio do Planalto, a extinção do orçamento secreto, que ampliou o controle do Congresso sobre os recursos públicos, está fora de cogitação. Ou seja, apesar da renovação de 39% no plenário, a política do fisiologismo terá continuidade.
O movimento de defesa do orçamento secreto é capitaneado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. “Ou o orçamento é feito pelos parlamentares ou voltamos à época do mensalão. São as duas maneiras de se cooptar apoio no Congresso Nacional. Prefiro o orçamento municipalista”, disse o deputado, um dia após sua reeleição. Não à toa. Os números justificam a disposição para a queda de braço. Principal beneficiado pelas emendas de relator, Lira, que manejou R$ 492 milhões nos últimos três anos, recebeu 75.594 mil votos a mais na disputa de 2022 do que na de 2018, sagrando-se o deputado mais votado da história de Alagoas. Com o desempenho, deu mais um passo rumo à permanência no comando da Casa, sem precisar do “empurrãozinho” do Planalto.
Fraudes e corrupção
Enquanto pinta o orçamento secreto como um instrumento de um governo de coalizão e, não, como a moeda de compra do Congresso que é, o deputado não menciona que as emendas drenam as reservas dos principais ministérios do país, deixando-os à míngua. Ignora que as transferências despejam dinheiro em municípios sem qualquer coordenação nacional e, de quebra, financiam uma série de escândalos de corrupção — as verbas já apareceram como figurinhas repetidas em fraudes na compra de caminhões de lixo, ônibus escolares, tratores e ambulâncias.

É uma questão de conveniência. Em 2023, as emendas de relator somarão R$ 19,4 bilhões. Para garantir a verba, o governo cortou dinheiro de áreas sensíveis, como a de investimentos na prevenção ao câncer. De olho na discrepância, enquanto a Lei Orçamentária Anual tramita, ministros do STF torcem para que a presidente da corte, Rosa Weber, paute uma ação que contesta a constitucionalidade do orçamento secreto. Em outra ponta, Lula prometeu que acabará com o mecanismo, se eleito, e Bolsonaro convidou o Congresso a pôr fim às emendas, muito embora tenha ignorado a orientação do Ministério da Economia para que as vetasse. Falta combinar com os russos.
Fortalecidos pelas urnas, deputados descartam recuar no controle da fatia bilionária do orçamento. Admitem somente algumas alterações nas regras atuais, mas sem comprometer o valor colocado nas mãos do Congresso. “Independente do presidente que ganhar a eleição, é impossível eliminar as emendas de relator. Criou-se uma cultura de que o parlamento tem que deliberar sobre a aplicação dos recursos”, pontua Aluísio Mendes, um dos vice-líderes do governo. “O que podemos fazer é estabelecer uma parcela para algumas destinações obrigatórias no montante total dessas emendas. Por exemplo, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação precisa ser sempre contemplado, porque tem obras que não podem ser paralisadas”, completa.
Divisão da bolada
Há quem proponha, ainda, a criação de critérios para a divisão da bolada. Pelo modelo em discussão, o fatiamento pode passar a ser norteado pelo tamanho da bancada dos partidos e, assim, o orçamento secreto beneficiaria todos os espectros políticos, do PL ao PT. Na análise geral, o acordo seria aceito tanto por Bolsonaro quanto por Lula. Hoje, mesmo aliados do petista reconhecem a dificuldade de ele se contrapor ao parlamento. “Não é algo simples. No máximo, deve ocorrer uma solução mediada, com, por exemplo, a vinculação dos valores a programas, como o de obras paradas, o que geraria empregos, e o de combate à fome”, emenda o ex-presidente da Câmara Marcelo Ramos.
Se confirmadas as regras colocadas à mesa, em um futuro próximo, a principal bancada beneficiada será a formada pela iminente fusão entre Progressistas e União Brasil, negociada entre Lira e Antônio Rueda. O grupo contará com 106 deputados e vai assegurar ao Centrão, como um todo, um nível de influência inédito, pelas mãos de mais de 300 congressistas. Além de mais dinheiro do orçamento secreto, a junção proverá um adicional de verbas dos fundos eleitoral e partidário. O poder emana do povo, e o povo, que se diz avesso à política, decidiu entregá-lo de bandeja ao bloco mais fisiológico do Congresso.