O ser humano precisa de humor, afirmam os especialistas. Pesquisa entre os usuários do TikTok no Brasil mostra que 60% querem conteúdo humorístico na rede. Mas está mais difícil encontrar combustível para risadas no cenário nacional. Comparando os números de hoje com os 2018, há menos comédia no cinema, nas séries do streaming, nos programas da TV aberta e também nas peças em cartaz nos teatros. A fonte dos risos está em migração para a internet, mas com um conteúdo humorístico bem diferente.

“A comédia como gênero passa por uma fase difícil. Os produtos sofisticados estão cada vez mais raros. Sobrevivem formatos próximos aos do stand-up, presencial ou nas telas, sem a arquitetura do texto cômico”, teoriza o antropólogo Hugo Viotti, autor de A Jornada do Entretenimento.

O que surpreende, segundo ele, é que há cinco anos a comédia, digamos, tradicional vivia seu auge no País.

“A morte de Paulo Gustavo abalou a TV e o cinema, era peça-chave nas duas mídias.”
Hugo Viotti, autor de A Jornada do Entretenimento

“A década passada foi marcada por comédias que bateram recordes, mesmo com a forte concorrência dos blockbusters de Hollywood e seus super-heróis”, prossegue.

Viotti se refere a filmes estrelados por Paulo Gustavo, Ingrid Guimarães ou Leandro Hassum. Alguns deles levaram, cada um, mais de cinco milhões de espectadores para conferir comédia de costumes de tipos brasileiros.

“O cinema em geral já mostra uma boa recuperação após a pandemia, mas esse humor brasileiro que arrebanhava multidões não mostrou de novo sua cara”, diz o produtor Bernardo Frota, que lança no segundo semestre a comédia Problemas de Homem.

Hassum e Ingrid, reis de bilheteria (Crédito:Divulgação)

A psicóloga Ana Maria Vertacchi, que dedica sua pesquisa à relação das pessoas com a alegria, concorda que o ser humano precisa de diversão e o Brasil vive uma mudança clara na produção humorística.

“Alguns preferem uma conversa à comédia roteirizada. Assistir a personagens em meio a situações engraçadas é agradável, mas muita gente vê no humorista solo e sem caracterização algo mais acolhedor, no sentido em que é outra pessoa falando de sua vida”, explica a psicóloga. “Mesmo com invencionices nas apresentações, é alguém dividindo vivências.”

Frota acredita que programas como as contações de histórias de convidados de Fabio Porchat passam a impressão de algo mais íntimo. É como ouvir um amigo contar um episódio divertido. Quem escuta pensa que talvez também tenha coisas engraçadas para compartilhar.

“A comédia tradicional talvez esteja mesmo velha, sabe?”.
Produtor Bernardo Frota

Patricia Pedrosa assume humor na TV Globo (Crédito:Divulgação)

Em 2018, os filmes brasileiros de humor eram responsáveis por 21% da bilheteria no País. Em 2022, o número caiu para 5%.

Em 2019, emissoras de TV e canais de streaming produziam 32 programas de humor no Brasil. Atualmente, são apenas 11.

Bernardo Frota aponta outro componente nessa paralisação do humor em filmes e séries de TV. Ele classifica a morte de Paulo Gustavo em 2021, por Covid-19, como uma ferida profunda. “Além de ser um comediante genial, ele estava na articulação de praticamente todos os recentes sucessos gigantes do humor nacional. Seus filmes bombavam, ele estava por trás dos melhores programas do streaming da Globo, e esses sucessos acabavam migrando também para a TV aberta”, analisa o produtor. “É difícil tirar uma peça tão importante da engrenagem e continuar funcionando do mesmo jeito.”

Laila Zaid, humorista que usa o meio ambiente como tema na internet: “Acho que a rede social te dá espaço para a experimentação, para você ver o que está funcionando e mudar o que não agradou” (Crédito:Divulgação)

Estagnação na TV

Os programas de humor roteirizados, as sitcoms com personagens fixos, estão minguando na TV. Na Globo, uma atração resiliente é Cine Holliúdy, sobrevivente na grade como comédia de roteiro. A única novidade no gênero é Família Paraíso, que entra agora na segunda temporada, alavancada por Leandro Hassum.

Contribuiu muito para a redução de atrações globais o período turbulento passado pelo departamento de humor da emissora. Era chefiado por Marcius Melhem, que acabou afastado devido à amplamente divulgada acusação de assédio feita pela comediante Dani Calabresa.

Para tentar restabelecer a produção de humorísticos, a emissora acaba de escalar no lugar dele Patricia Pedrosa, diretora de Cine Holliúdy.

Na internet, surge agora uma espécie de comediante que mistura stand-up com elementos dos roteiristas. É o caso de Laila Zaid. Ela é um sucesso no TikTok fazendo humor sobre questões de meio ambiente.

“Quando você roteiriza muito e tem personagens, há um engessamento. A conversa direta é uma troca entre o comediante e o público. É uma galera mostrando vida real.”
Comediante Laila Zaid

Vinda da TV, onde fez Malhação, ela admite voltar. “Eu tenho uma pauta definida, clara, que é a crise climática. Adoraria ter mais espaço. Por mais que se fale que as mídias sociais são enormes, a televisão tem um peso cultural gigantesco no País. Eu amaria ter muito espaço em todas as mídias, e acho que daria certo.”