18/11/2022 - 9:30
Acorrentado aos hábitos de um mau perdedor, Jair Bolsonaro deixou um vácuo no poder. Desde a derrota nas urnas, trabalhou somente 16 horas e 30 minutos — ou seja, 55 minutos por dia. Os compromissos — a maioria encontros bilaterais — foram cumpridos a portas fechadas, no Palácio da Alvorada, onde o mandatário está isolado há duas semanas. A reclusão não afeta somente o papel de Bolsonaro como chefe de Estado. A oposição a Lula, que, em tese, seria liderada por ele, está à deriva, uma vez que o presidente não aparece mais nem sequer em suas tradicionais lives semanais. A postura demonstra que, em 34 anos de carreira, o capitão não aprendeu a principal regra do poder: não existe espaço vazio na política.
Em meio ao “retiro” de Bolsonaro, Hamilton Mourão assumiu o papel de presidente em exercício, cumprindo tarefas protocolares, como o recebimento de embaixadores estrangeiros. Em paralelo aos despachos de praxe, o general garimpa espaços para se consolidar como um forte opositor ao petismo, deixando de lado a irrelevância que lhe foi imposta por Bolsonaro ao longo dos últimos quatro anos, quando ele teve as funções esvaziadas e chegou a ouvir do presidente que era “como um cunhado”, porque, embora atrapalhasse, tinha de ser aturado.
Nas redes, onde os movimentos de Bolsonaro estão restritos a publicações sobre feitos do governo, Mourão saiu em defesa dos movimentos extremistas e declarou que “os patriotas resistem com coragem, face ao ódio que faz com que a censura seja usada como arma covarde para buscar ameaçar o livre debate e os questionamentos democráticos”. Além disso, criticou Lula pela decisão de viajar ao Egito, para participar da COP27, de carona em um jato de um empresário amigo. “A futura administração já compromete os princípios da impessoalidade e da moralidade”, escreveu.
Enquanto Bolsonaro optou por faltar também à cúpula do G-20, encontro que reuniu as maiores economias do mundo, sem justificar a ausência, Mourão vai apostar em uma agenda internacional. O vice viaja a Lisboa na semana que vem e deve encontrar o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa. É uma posição antagônica a de Bolsonaro, único presidente brasileiro que nunca visitou o país europeu desde a redemocratização. Curiosamente, os tête-à-têtes programados por Mourão ocorrerão poucos dias após Lula cumprir uma agenda muito similar na cidade.
Perna infeccionada
Enquanto as forças se reposicionam no tabuleiro político, aliados de Bolsonaro minimizam o “sumiço” do presidente. Pontuam que, por ora, a reclusão é justificável porque, segundo asseguram, o capitão se recupera de um quadro de erisipela, uma infecção cutânea, que pode causar calafrios, febre alta, tremores e vômitos. Nomes próximos a ele acrescentam que Bolsonaro “ainda não digeriu” a derrota para Lula e estampa se sentir injustiçado ao repetir, à exaustão, a decepção “em ter perdido para um ladrão”. Enquanto Bolsonaro não se recompõe, alguns dos nomes mais pragmáticos de seu círculo apontam ser até melhor que ele permaneça em silêncio a fim de evitar rompantes.
Diante do cenário de incertezas, o futuro político de Bolsonaro virou objeto de uma bolsa de apostas, uma vez que mesmo nomes do seu círculo mais próximo foram afastados. Aliado de primeira hora do presidente, o pastor Silas Malafaia conversou com o capitão apenas uma vez desde o segundo turno. Para ele, após o fim do mandato, Bolsonaro deverá viajar pelo País para fortalecer a base nas eleições municipais de 2024 e se consolidar como o candidato da direita ao Planalto dois anos depois. “O PL alugará um jato para ele andar pelo Brasil. Para um partido que tem R$ 1,2 bilhão de fundo, isso é uma xícara de café”, comenta. “O presidente tem um grande capital político. Não foi Lula que ganhou, mas Bolsonaro que perdeu para os próprios erros. A esquerda perdeu capacidade de mobilização. É a direita que a tem, nas ruas e nas redes. Bolsonaro não pode deixar isso de lado.”
Ninguém se arrisca a dizer, contudo, quais serão os passos do presidente a curto prazo. Enquanto nomes do governo apostam que Bolsonaro permanecerá isolado para evitar comentar o triunfo de Lula, o PL, enfurecido, quer que o capitão volte à ativa o quanto antes para inflamar a política nacional, já que Valdemar Costa Neto, num movimento inédito, assegurou que o partido participará da oposição. Enquanto Bolsonaro não se decide, alimenta uma dúvida crescente em Brasília: saberá ele se portar pela primeira vez à margem do poder?