20/08/2021 - 9:30
O cantor e compositor Sérgio Reis já fez diversos shows beneficentes em penitenciárias – isso nos tempos em que presos gostavam de música sertaneja e não havia samba-rock nem funk pancadão. Sérgio Reis entrava na cadeia, cantava e saía. Agora, ele é forte candidato a entrar e ser obrigado a dormir lá mesmo. Isso porque, no final da semana passada, o violeiro tornou-se mais um anarquista a conspirar abertamente contra a democracia, e isso dá prisão porque é crime previsto na Constituição. Os claros delitos do cantor foram os de incitação à subversão da ordem política ou social e incitação ao crime. Nas redes sociais, Sérgio Reis se dissera porta-voz dos caminhoneiros e os convocara para uma greve nacional, propondo um cerco a Brasília no feriado do dia Sete de Setembro. Mais: ameaçou fazer, “na marra”, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, aprovar o voto impresso e abrir processo de impeachment contra os ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso (presidente do TSE), ambos combatentes, dentro da lei constitucional, dos desmandos de Jair Bolsonaro. Sérgio Reis incentivou a desordem e arruaça, e poderá ser enquadrado em mais crimes se a sua convocação resultar em colapso dos serviços públicos. Nada mais merecido para quem aposta na desarmonia entre os Poderes republicanos.
“A nenhum cidadão, nem a Sérgio Reis, nem ao presidente da República, é dada a possibilidade de ameaçar o STF” Humberto Fabretti, doutor em direito político e professor de direito penal na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Para se ter uma ideia da gravidade do ato do artista, até a quarta-feira 18 pelo menos vinte e nove subprocuradores-gerais da República tinham dado entrada com representações na Procuradoria da República do Distrito Federal. Afirmam eles que a medida se faz imprescindível “diante dos graves acontecimentos que têm marcado a história recente do País”, abrindo eventual caminho à “ruptura institucional”. Contra o cantor foi instaurado, ainda, inquérito na Polícia Civil do DF. O violeiro será responsabilizado, enfim, por ter aberto a porteira da anarquia e tocado o berrante do capitão. Sérgio Reis diz que se arrepende do que falou, mas não tem medo de ser preso: “não sou frouxo”. Prosseguiu: “não sou puxa-saco de Bolsonaro” — imagina se fosse.
Nu no bordel
Como tudo no atual governo é mentira, também a manifestação do cantor sertanejo tem um tom mentiroso — o que não abranda o cometimento de crimes. “Vamos parar setenta e duas horas; ninguém andará no País”, teria proposto Sérgio Reis, em meio à reunião com representantes do agronegócio. Segundo ele, houve até um almoço com Bolsonaro. Na sequência, no entanto, a coisa desafinou: líderes dos caminhoneiros declararam que Sérgio Reis não representa a categoria, e que somente participarão de qualquer ato se constar na pauta a reivindicação de preço baixo para combustível — e, assim mesmo, cada lado fará a greve que melhor lhe aprouver: ou seja, eles só estão preocupados em encher os tanques dos caminhões. “A grande maioria não seguirá Sérgio Reis, pelo menos entre nossos associados”, diz José Roberto Stringasci, presidente da Associação Nacional de Transporte do Brasil. Já Wallace Landim, presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores, vai mais longe: “grandioso cantor Sérgio Reis, o senhor, quando deputado federal, nunca subiu na tribuna para falar em nome dos caminhoneiros”. Com a negativa das associações, fica demonstrado que Jair Bolsonaro e Sérgio Reis fazem mesmo um bom dueto: ambos dizem ter o apoio de gente que não os apoia e ambos foram péssimos no cumprimento de seus mandatos parlamentares.
Relembrar os tempos legislativos para o sertanejo lhe é desconfortável, uma vez que até agora lhe são cobrados os R$ 55 mil que ele teria subtraído do erário para a implantação de uma prótese peniana. Ressalte-se que o cantor, que esteve na Câmara entre 2015 e 2019, tem o direito de se submeter ao procedimento médico eletivo que bem entender, mas não com o dinheiro público. Aliás, a sobreposição do público com o privado sempre foi uma constante na vida do cantor. Moralista da boca para fora, não titubeou em apresentar-se nu durante um show naquele que foi um dos mais famosos bordéis do Brasil: a Casa de Eny. Cada fato ganhou repercussão a sua época, e, agora, é a investida contra o Estado de Direito que traz Sérgio Reis, 81 anos, à berlinda. “A nenhum cidadão, nem ao Sérgio Reis, nem ao presidente da República, é dada a possibilidade de ameaçar o STF”, diz Humberto Fabretti, doutor em direito político e professor de direito penal na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Jair Bolsonaro e Sérgio Reis fazem mesmo um bom dueto: ambos dizem ter o apoio de gente que não os apoia e ambos foram péssimos no cumprimento de seus mandatos parlamentares
O menino da papuda
Sérgio Reis ficou a pé entre seus colegas de profissão. Dentre os cantores sertanejos, reinou o silêncio – claro sinal de reprovação bem educada, não de apoio. Já em outros ritmos, teve gente falando, sim. O cantor e compositor Guarabyra, ex-integrante da dupla de MPB Sá e Guarabyra e hoje com carreira solo, cancelou a participação que faria no próximo disco do anarquista e postou nas redes sociais: “sou incompatível com o seu posicionamento político”. O cantor Tico Santa Cruz fez uma hilariante indagação: “quando será lançado o disco O Menino da Papuda?”. A mesma unanimidade na reprovação não houve entre os ruralistas. A ideia do presidente da Associação Brasileira de Produtores de Soja, Antonio Galvan, era que o agronegócio financiasse as despesas dos manifestantes. Blairo Maggi, ex-ministro, ex-senador e maior produtor de soja do Brasil, mandou um claro recado: “Galvan fala como se o setor inteiro do agro e da soja apoiassem esse movimento. Ele pode ter posições pessoais, mas não usar a associação para isso”.