EXÍLIO Perseguido pela ditadura, o arquiteto viveu e trabalhou
na França entre 1965 e 1980 (Crédito:Tuca Vieira)

Château La Coste, Provence. É esse o endereço, no sul da França, do último projeto de Oscar Niemeyer, que aos 102 anos — dois antes de sua morte — idealizou um pavilhão que seria implantado em meio a vinhedos. Com as famosas curvas de concreto e vidro e um espelho d´água, abriga uma galeria para esculturas e um auditório para projeção de vídeos, a serem abertos ao público em junho. E, na área de 200 hectares entremeada por bosques, a obra do brasileiro está na companhia de pelo menos outras 20, entre pavilhões, esculturas e instalações de alguns dos mais destacados artistas internacionais dos séculos 20 e 21.
Além dos conterrâneos Tunga (que apresenta as esculturas Psicopompos, misturando concreto, cristais e imãs) e Paulo Mendes da Rocha (que desenhou uma torre de observação em concreto e metal, com escada interna, para se acompanhar a colheita das uvas), por lá ainda se espalham construções como o galpão metalizado onde são produzidos os vinhos orgânicos do arquiteto futurista Jean Nouvel; a adega gigante sob a terra do high-tech Renzo Piano; o muro concretado com furos do consagrado Tadao Ando; o pavilhão musical de Frank Gehry; e uma das famosas aranhas gigantes de Louise Bourgeois.

CURVAS Concreto, vidro e água: marcas clássicas da arquitetura brasileira transpostas
para La Coste (Crédito:Stéphane Aboudaram)

O responsável por essa “Inhotim francesa” é Patrick “Paddy” McKillen, um misterioso bilionário irlandês que é dono de alguns dos mais sofisticados hotéis de Dublin e Londres. Construído em 1682 pelo Bispo de Aix, o Château La Coste foi comprado em 2002 por McKillen, que deu início às construções em 2011. Lá fica a maior área na França de cultivo de uvas biodinâmicas para vinhos rosé, além do hotel com 28 villas e sete apartamentos dentro de uma floresta e o museu a céu aberto, com trajeto de três quilômetros entre as obras de grandes nomes da arquitetura e da arte contemporâneas.

Último edifício de Niemeyer está ao lado de outras obras de grandes arquitetos e artistas contemporâneos em uma espécie de “Inhotim francesa”: o Château La Coste

Assim, a última obra do brasileiro Oscar Niemeyer está em muito boa companhia. O arquiteto nascido 1907 e falecido em 2012 foi o responsável pelo esboço do que seria a primeira construção erguida em meio aos vinhedos de “Paddy” McKillen e que lembra sua Casa das Canoas, no Rio de Janeiro. Para Niemeyer, o Château La Coste era o local ideal para seu último legado na França, rodeado pela natureza e em harmonia com uma colina, como foi desafiado a projetar – em parceria com Jair Valera. O arquiteto ainda decidiu pelo trabalho levando em conta que considerava o vinho como marco importante da humanidade no planeta.

Pela importância de ter sido projetado quando o arquiteto já estava com 102 anos — e totalmente lúcido, apesar das hospitalizações constantes —, o pavilhão no Château La Coste serviu como porta para um documentário sobre os dois últimos anos de vida de Niemeyer e sua rotina: “A Luta É longa”, produzido pelo próprio complexo La Coste e dirigido por Bernardo Pinheiro.

CRIATIVIDADE Projeto da sede do PC, em Paris, foi doado pelo arquiteto brasileiro (Crédito:Damien Tachoires )

O último projeto daquele que é considerado um dos gênios da arquitetura também não poderia estar em melhor território: a França, para onde se mudou durante a ditadura no Brasil. Comunista declarado, Niemeyer era o arquiteto de Juscelino Kubitschek na mudança da capital para Brasília, e desenhou os edifícios do Plano Piloto, sobre o projeto urbanístico de Lúcio Costa. Na volta de uma viagem, em 1964, o Brasil já tinha passado pelo golpe militar. Impedido de trabalhar depois de ter o escritório invadido e pedir demissão da Universidade de Brasília, ele acaba se mudando para Paris — única cidade pela qual admitia trocar o Rio de Janeiro. Diante das ameaças da ditadura brasileira e obrigado a se exilar, foi recebido como gênio. Voltaria apenas anistiado, em 1980.

De seu escritório na Champs-Élysées saíram projetos para toda a França e outros países. Doou o projeto da sede do Partido Comunista Francês em Paris, mas também desenhou a sede da Renault, e partiu para tantos outros, como a Bolsa de Trabalho de Bobigny, o Centro Cultural Le Havre, o edifício do jornal L´Humanité e o da Editora Mondadori (este, na Itália, e cujo dono, Arnoldo Mondadori, queria um visual semelhante ao do Palácio Itamaraty, que o havia impressionado em visita a Brasília). As obras desses anos todos estão no livro “Oscar Niemeyer en France – Un exil créatif”, escrito pela arquiteta brasileira Vanessa Grossman e pelo francês Benoît Pouvreau.