Ao embarcar para a China nesta terça-feira, Lula fará a viagem mais importante de um chefe de Estado brasileiro ao país oriental em muitos anos. O petista já havia visitado Pequim três vezes em seus dois primeiros mandatos, mas na época a interlocução era com o então presidente Hu Jintao. Agora, Ji Xinping representa uma China com nova ambição mundial, além de ter se tornado o líder mais forte desde Mao Tsé-tung.

A recepção a Lula mostra que os chineses continuam a enxergar o Brasil como o líder natural da América do Sul, com influência em todo o mundo em desenvolvimento, em especial na África. Também demonstra que o presidente permanece com prestígio no exterior, o que já demonstrou à farta desde que se reelegeu. Isso é bom para Lula e o Brasil, mas a viagem também embute riscos.

O tema mais delicado é o papel do Brasil na guerra não declarada entre EUA e China. Lula chegará a Pequim uma semana após Emmanuel Macron ter feito uma visita de Estado que causou inúmeros problemas ao francês. Macron achou que conquistaria dividendos domésticos e projeção internacional. Conseguiu o oposto. Foi criticado no seu país e irritou os vizinhos, pois tentou exibir uma irreal independência dos EUA e também da China — enquanto trocava afagos com Xi Jinping. Não colou. Enfureceu os americanos e também os europeus, que estão enfrentando uma crise energética por causa do conflito e mandando armas para os ucranianos.

Na nova ordem mundial, espera-se que o País defenda os valores da ONU, e não que faça concessões a candidatos a ditador

Lula também pode enfrentar dissabores no cenário internacional se decidir alinhar-se ao criticado plano de paz da China, que é encarado no Ocidente como uma manobra pró-Rússia. Lula já está sendo criticado pelo governo ucraniano por ter declarado na última semana que Volodymyr Zelensky “não pode ter tudo” e que poderá ser obrigado a abrir mão da Crimeia, invadida ilegalmente. Se agora selar essa posição com uma manifestação pró-Putin, ainda que indireta, terá colocado o Brasil como ator no conflito.

Pior. O Brasil pode passar a mensagem de alinhar-se ao mundo anti-Ocidental e anti-EUA. Isso contraria a tradição diplomática brasileira de equilíbrio e defesa do multilateralismo e pode irritar os americanos, que são responsáveis pela maior parte dos investimentos estrangeiros no País (o maior parceiro comercial é a China). Na nova ordem mundial, espera-se que o Brasil tenha um papel relevante defendendo os valores da ONU e do direito internacional, e não fazendo concessões a candidatos a ditador que lembram os piores autocratas do século XX.