Arthur Lira tenta construir para os próximos dois anos um reinado ainda mais poderoso do que o atual. O deputado vai chegar fortalecido à disputa pela eleição à presidência da Câmara, em fevereiro, sem oponentes competitivos à vista — é que, graças ao fisiologismo que lhe é característico, levantou uma base de apoio que vai do PL ao PT, e, pelas contas de interlocutores, na linha de chegada, terá mais de 400 dos 513 votos. Livre de Jair Bolsonaro, não precisará entrar em bolas divididas, o que tende a ampliar sua aprovação na futura gestão. De quebra, ao lado das principais lideranças do Congresso, ele negocia uma liberação bilionária de emendas de relator para 2022 e ergue um muro de proteção em torno do instrumento para o próximo ano. Trata-se da fórmula perfeita para ampliar o controle sobre o Parlamento, nas palavras de colegas do manda-chuva do Progressistas. Não à toa, Lira já avisou que exercerá o cargo de forma independente do governo.

Ainda que descontente com os rumos dos ventos políticos, o PT entende bem o que está em jogo. Para explicar o apoio a Lira na eleição da Câmara, rememora a história recente. Em 2015, Dilma Rousseff se contrapôs a Eduardo Cunha e lançou Arlindo Chinaglia ao comando do Salão Verde. Derrotada, ganhou um inimigo político vingativo na Câmara, que cuidou de perto dos meandros do impeachment. Seria um equívoco, portanto, repetir o erro. “A decisão se dá dentro de um quadro de correlação de forças. Não tínhamos hoje outra pessoa em condições de fazer a disputa pela presidência da Câmara. O PT não colocaria nome e não tinha um outro partido que tivesse uma liderança para disputar a Câmara”, esquivou-se Gleisi Hoffmann, na quarta-feira,30.

Para o partido, agora é o momento de conter danos. A legenda tenta atrair aliados, como PSD, MDB e União Brasil, para formar o maior bloco de apoio na Câmara e, assim, ao menos abocanhar a comissão mais importante da Casa: a de Constituição e Justiça. Se conseguir, na prática, desfará um acordo firmado entre Lira e Valdemar Costa Neto, que garante ao PL, dono da maior bancada da Câmara, com 99 deputados, a presidência do colegiado. O movimento irritou Lira, que reclamou com o PSB, de Geraldo Alckmin. A pessebistas, ele pontuou que há como arquitetar saídas solucionadas, a exemplo de um rodízio na liderança da comissão.

O PT, contudo, resiste. Deputados do partido argumentam que liberais já se gabam de terem fechado com Lira um pacto para ficar com a vice-presidência da Câmara no próximo biênio e contar com o apoio do Progressistas para a disputa pelo comando da Casa em 2025. Permitir, ainda, que o PL, infestado de bolsonaristas, chegue à CCJ seria uma “excrescência”. Outro ponto de conflito é a Comissão Mista de Orçamento — petistas estão em alerta com a possibilidade de o partido de Bolsonaro ganhar a disputa pela relatoria-geral da Lei Orçamentária Anual, cargo responsável pela negociação do planejamento de despesas e pela indicação das emendas de relator. No meio do fogo cruzado, Lira já avisou aos colegas que não aceitará a confusão e entrará em campo para aparar arestas.

Orçamento Secreto

As emendas de relator, aliás, devem ser um assunto para o próximo ano. Atual relator-geral do Orçamento, Marcelo Castro diz que, em 2022, não há mais tempo hábil para costurar novas regras para as transferências. “Ele está aguardando a posse do Lula. Não discutirá o assunto”, diz um assessor direto. Nos corredores do Congresso e do STF, a perspectiva é a mesma. Lira e Rodrigo Pacheco estão despreocupados porque têm ouvido de ministros que a Corte tende a dar “mais tempo” para o Parlamento ajustar, por iniciativa própria, critérios relacionados ao valor das emendas, hoje fixado em R$ 19,4 bilhões, à isonomia da divisão dos recursos entre congressistas e à transparência.

Esses magistrados dizem não crer que Rosa Weber pautará, por ora, o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade que contesta o orçamento secreto, sobretudo em razão da aproximação do recesso do Judiciário, que começa em 20 de dezembro. Acrescentam, contudo, que, se a presidente do STF contrariar as previsões, algum ministro pedirá vista. “Eles têm dito que é preciso dar tempo para a política se resolver”, conta um assessor de Pacheco, reservadamente. De toda forma, a corrente majoritária do Supremo crê que a Corte jamais derrubaria totalmente o modelo das emendas de relator, para não ser acusada de usurpar a função do Legislativo e do Executivo. Defensor árduo do orçamento secreto — e herói de muitos congressistas pela postura —, Lira, portanto, terá espaço e tempo para negociar o formato das emendas como bem entender.