Um dos fundadores do Novo, João Amoêdo, provocou a ira de correligionários, autodeclarados liberais, ao anunciar voto em Lula no segundo turno das eleições. A reação, que inclui ameaças de expulsão, não o acuou. “É lamentável como a instituição agiu contra um filiado, cerceando a sua liberdade de expressão”, explica.

Em defesa da própria decisão, o ex-banqueiro diz enxergar em Jair Bolsonaro o risco de uma ditadura branca, com o Congresso e o STF subjugados pelo Palácio do Planalto. Suas atuais preocupações, porém, não se restringem à manutenção da democracia.

Amoêdo avalia que o capitão representa riscos à Economia, uma vez que não aposta em reformas estruturantes. “Como presidente, ele se mostra uma pessoa totalmente inapta para o cargo”, diz o empresário, para quem “Paulo Guedes não teve força no primeiro mandato e teria muito menos a partir de 2023.”

Apesar do apoio a Lula, frisa que não fechou os olhos para os erros cometidos pelo PT e condena a dificuldade do partido em realizar uma autocrítica sobre a corrupção em suas gestões. Amoêdo acrescenta que o petista precisa fazer acenos mais enfáticos ao centro para conquistar a fatia do eleitorado que está indecisa ou planeja votar em branco ou nulo.

Em que momento o sr. decidiu declarar voto em Lula?
Comecei a amadurecer essa decisão tão logo o primeiro turno chegou ao fim. Passaremos por um momento crítico nas eleições e pensei que, apesar de as opções serem muito ruins, ficar omisso ou anular o voto não seria a melhor escolha para mim, assim como não é para o País. Avaliei os resultados das urnas, que, na minha opinião, fortaleceram o bolsonarismo no Congresso e em governos estaduais. Vendo, depois, as manifestações do presidente e de aliados em relação ao Supremo, e a cooptação que houve do Legislativo, entendi que, nesse momento, a prioridade deve ser garantir a possibilidade de continuarmos a ter oposição. O quadro que aponta menores riscos ao Estado de Direito é a eleição de Lula no lugar de Bolsonaro.

Será um voto crítico?
Continuo com as mesmas críticas que sempre tive ao PT. Creio que o partido aposta em um modelo equivocado para a Economia — a gente lembra da enorme recessão em 2015 e 2016. Condeno os métodos, pois não esqueço do Mensalão e do Petrolão. Lembro também dos pronunciamentos de apoio a ditaduras da América Latina. Continuo com a crítica ao PT por nunca ter assumido os próprios erros. Há uma série de conceitos equivocados, mas entendo que é o menos pior. Manterei um posicionamento firme de oposição a Lula ou a Bolsonaro após a eleição. Será um voto, mas não diria que é um apoio. É um voto não por mérito, mas por rejeição à outra opção.

O sr, mencionou o receio quanto à preservação da democracia. Teme uma ditadura branca ou um golpe militar?
Temo modelos como o da Hungria, onde há um processo eleitoral, mas todas as instituições são tomadas e ficam subjugadas a um líder autocrata. Bolsonaro já cooptou boa parte do Congresso com o Orçamento Secreto e essa ideia de aumentar a quantidade de membros da Suprema Corte daria a ele maioria. Esse tipo de coisa me preocupa muito. Aliás, no debate da Band, o presidente chegou a comentar que, em um cenário de reeleição, o STF teria 5 membros indicados pelo PT e 4 membros indicados por ele. Ou seja, considera que a Suprema Corte é algo a ser dividido, quando se trata de uma instituição de Estado, e não de governo.

O sr. recebeu ligações de Lula ou de algum interlocutor do PT após declarar seu voto?
Recebi uma ligação do Haddad sobre presença em eventos. Falei para ele que agradecia, mas que estava refletindo. Naquele momento, havia dois motivos para o meu afastamento. Primeiro, queria tomar a decisão sob isenção e, segundo, não estava nos meus planos — como não está agora — participar da campanha. Continuo crítico às ações do PT e seria incoerente me envolver efetivamente na candidatura. Depois da declaração de voto, recebi mensagens e vi postagens de petistas dizendo admirar a coragem de ter me pronunciado, até porque a reação do Novo foi muito forte.

Como vê a acusação de infidelidade partidária por ter aberto seu voto?
Não consigo ver qualquer coerência nas afirmações do Novo. Estou fazendo algo que me é permitido como cidadão. Além disso, conheço bastante o estatuto do partido, porque participei da elaboração dele. É um partido que defende a liberdade de expressão, a democracia. Os filiados têm o direito de se pronunciar. Adicionalmente, o Novo soltou nota, logo após o primeiro turno, dizendo ser institucionalmente contra o PT, mas apontando que os filiados teriam liberdade para votar conforme a sua consciência. Além disso, no ano passado o Novo divulgou uma diretriz declarando que havia se colocado como oposição ao governo Bolsonaro. É lamentável como a instituição age contra um filiado, cerceando a sua liberdade de expressão.

O Novo virou uma linha auxiliar do bolsonarismo?
Fica difícil fazer essa análise, mas a percepção do público externo, durante a campanha, é a de que o partido é muito mais próximo de Bolsonaro do que deveria ser. Apesar da diretriz partidária de oposição ao governo, mandatários e candidatos do partido se aproximaram dele. Inclusive, na época dos debates do primeiro turno, pontuei que o nível de cobrança de Felipe D’Ávila em relação ao PT era muito maior do que em relação a Bolsonaro.

Por que o Novo não condena Bolsonaro pelas mesmas razões pelas quais condena Lula?
Os dois são similares em várias práticas. Temos visto corrupção no governo Bolsonaro, como no caso das vacinas e no do MEC. Além disso, ninguém acha que seja razoável comprar 51 imóveis pagando em dinheiro vivo. Há uma série de questões para além do enfraquecimento das instituições e do Estado de Direito. O partido declarou-se oposição justamente por isso.

Romeu Zema afirmou que o Novo já discute uma fusão. Como fundador do partido, o sr. participa do debate?
É um caminho muito ruim. O Novo deu muito trabalho para ser estruturado, montado e registrado. Foram anos de trabalho e muitos recursos para levantar uma plataforma diferenciada, para inovar na política. Em tão pouco tempo pensar que esse trabalho será jogado no lixo seria muito triste. Não vejo o que justificaria essa fusão. Até porque não faria sentido ter montado o partido.

O arco de alianças em torno de Lula com economistas renomados o surpreendeu?
Não foi algo que me surpreendeu integralmente. Esperava que houvesse movimentos, mas tinha dúvidas sobre a opção deles de levar isso a público. Acabou sendo bastante positivo. Embora não tenha sido algo determinante para a minha decisão, ajuda ver que nomes da qualidade dos formuladores do Plano Real adotaram a mesma posição.

Essa adesão sinaliza o compromisso de Lula com a responsabilidade fiscal e a criação um “novo” teto de gastos?
Torço para que ele crie uma nova âncora fiscal. Lula terá de ser pragmático pela saúde das contas públicas. Espero que, com a adesão desses economistas e com Alckmin como vice, exista essa responsabilidade fiscal, até mesmo porque, no fundo, a constância das regras e a estabilidade que vão fazer o trabalho de colocar o Brasil na rota do crescimento e, consequentemente, garantir meios para o combate da pobreza, o que ele diz ser seu principal objetivo.

Lula erra em não anunciar quem seria seu ministro da Economia para o futuro governo?
Ele deveria anunciar. Não o fazer é um erro. Lula, hoje, deve ter algum receio de desagradar uma ala ou criar algum tipo de pressão. Mas, claramente, boa parte dos votos está decidida. Ele e Bolsonaro brigam pelos indecisos e para reverter os votos de quem vai anular. A clareza da aproximação dele ao centro e do compromisso com a responsabilidade fiscal, com a transparência da definição de algum nome para a Economia, seria muito mais benéfica do que faria mal à campanha. Tiraria incertezas. Infelizmente, temos acompanhado debates dos quais você sai totalmente no escuro quanto às propostas. Os dois falam muito sobre o passado e as brigas entre si, e o eleitor não tem a visão do país que ambos imaginam.

Do lado de Bolsonaro, Paulo Guedes era o fiador do governo entre liberais. Como avalia a gestão dele?
Muito mal. Paulo Guedes fez uma série de propostas de reformas estruturantes, como a tributária e a administrativa, além de privatizações, e implementou poucas delas. A gente também não teve cortes de privilégios e benefícios. Ficou claro que ele prometeu muito mais do que entregou. Guedes não foi capaz de convencer Bolsonaro do que precisava ser feito e ainda criou alguns atalhos, como os dribles ao teto de gastos e ao pagamento de precatórios. Deixou muito a desejar.

Existem, então, perigos na área econômica, caso Bolsonaro seja reeleito?
Bolsonaro não compra as reformas. Como parlamentar, ele sempre teve uma atuação um pouco mais corporativista, priorizando alguns segmentos. Ele nunca foi um liberal na concepção de redução da máquina e de transferência de poder do Estado para o cidadão. Em um segundo mandato, seguirá a mesma linha.

Bolsonaro, aliás, distribuiu benesses às vésperas da eleição de uma forma jamais vista antes, certo?
As medidas, de fato, têm um caráter eminentemente eleitoreiro. Não deveriam ser feitas. Mas Bolsonaro cooptou o Congresso com emendas parlamentares. Muito provavelmente, por isso é que, até hoje, não tivemos a abertura de um dos mais de 140 processos de impeachment, apesar de seus crimes de responsabilidade. Você tem hoje uma simbiose muito ruim entre Legislativo e Executivo. Não há, portanto, fiscalização por parte do Congresso.

O que explica a postura de parte da população que, apesar dos erros, vota em Bolsonaro?
Há pessoas que acreditam em posições mais extremadas, como as de Bolsonaro, e outras que rejeitam as do PT por causa dos escândalos lá de trás. O terceiro pedaço é formado por gente que entende que Bolsonaro é uma pessoa simples e transparente. Mas, na verdade, como presidente, ele se mostra totalmente inapto para o cargo. Aliás, na minha decisão sobre o voto, pesou como ele se comportou durante a pandemia. Me parece estranho ter esse nível de aceitação apesar de o presidente ter colocado o Brasil como um dos países com o maior número de mortes por quantidade de habitantes. Bolsonaro foi mestre em mostrar descaso com o tratamento da pandemia.